Elza Soares lança o disco
Elza Soares lança o disco "Deus é mulher"Reprodução
Por RICARDO SCHOTT

Rio - Atualmente, o discurso das letras é fator determinante para Elza Soares escolher as músicas que lança num disco. A cantora, que comemora 81 anos neste sábado, canta sobre o que gosta de falar. Fez isso em seu 35º disco, 'Deus É Mulher', que tem a responsabilidade de continuar a trilha revolucionária e crítica do anterior 'A Mulher do Fim do Mundo'. E, não, a experiência de palco, de estúdio e de vida não tirou de Elza a certeza de que cada disco é uma revolução diferente.

"Eu passo noite e dia pensando no que quero dizer para quem quer me ouvir, para esse povo que me elegeu como cantora", conta Elza, que escolheu o repertório ao lado do produtor Guilherme Kastrup. "Quero o melhor para o meu país, me orgulho muito de ser brasileira e sofro de ver o país da maneira que está. Acabou o amor, acabou a dignidade. Meu momento é de parar pra pensar se tenho algo a fazer também, para ajudar".

VOZ E ECO

Por causa de sua acidentada trajetória pessoal (que envolve momentos de violência doméstica, pobreza e racismo) e de seu repertório - incluindo músicas do álbum anterior, como 'Maria da Vila Matilde', 'Mulher do Fim do Mundo' e 'Firmeza?!' - Elza tem sido considerada uma "voz dos sem-voz", alguém que põe como conceito em músicas e discos as necessidades do povo brasileiro.

O novo álbum continua na mesma linha, elegendo a negritude, o feminino e a batalha do dia a dia como temas em músicas como 'O Que se Cala' (Douglas Germano), 'Exu nas Escolas' (Kiko Dinucci e Edgar, dos versos "se Jesus Cristo tivesse morrido nos dias de hoje com ética/em toda casa, ao invés de uma cruz, teria uma cadeira elétrica") e 'Deus Há de Ser' (Pedro Luís).

"Não quero só ter voz, quero eco. uma andorinha só não faz verão. Gostaria que todo o povo brasileiro tivesse esse momento de ter voz, de falar. O povo está dormindo! Que sono é esse, meu Deus? Vamos acordar. Vê só essa greve dos caminhoneiros, em que ninguém falou nada", exalta-se Elza, feliz por ver que as mulheres estão cada vez mais conscientes. "Elas estão falando mais, sabem da violência que acontece com elas. Vê só essa morte da Marielle Franco, que coisa estúpida. E não pode parar de falar nisso não, mesmo na Copa do Mundo. Tem que falar, não pode esquecer, não pode deixar de falar sempre".

DISCO NOVO

Quando Elza e Kastrup começaram a fazer o novo disco, tinham em mente que 'Deus É Mulher' não poderia ser uma mera continuação do álbum anterior. "Não seria um 'A Mulher do Fim do Mundo 2', queríamos fugir um pouco daquilo. A ideia era continuar falando das causas, da mulher, da negritude", recorda. O novo álbum acabou sendo gravado no tempo recorde de dez dias.

"Fiquei até meio dodói quando tudo terminou. Fui para o estúdio, depois viajei para uns shows no Carnaval. Quando voltei, tive uma estafa braba", conta. "Mas só senti cansaço, graças a Deus, minha voz está ótima".

Entre o disco anterior e o novo, Elza arrumou tempo para gravar com Pitty a música 'Na Pele', composta pela roqueira baiana e lançada em agosto de 2017. A canção nova virou single e clipe.

"Acompanho a Pitty desde o comecinho dela, sempre gostei dela. Uma grande artista e uma grande menina", conta Elza, que dá voz no novo disco a Alice Coutinho ('Eu Quero Comer Vc' e 'Lingua Solta', ambas parcerias com Romulo Fróes), Mariá Portugal ('Um Olho Aberto') e Tulipa Ruiz ('Banho'). "Adoro essas meninas e o talento que elas têm", alegra-se a cantora, que evita rótulos como "samba-punk", que têm aparecido nas definições de seu trabalho. "Não sei se é samba-punk ou até samba-funk. Sei que é música de qualidade e que tem conteúdo. Fico feliz de ter essa galera compondo pra mim, essa turma que veio de São Paulo", conta Elza, moradora de Copacabana, na Zona Sul carioca.

COLO DE MÃE

Em 'Deus É Mulher', a faixa-título, Elza diz que "Deus é Mãe/e todas as ciências femininas/a poesia, as rimas/querem o seu colo de madona". É o que norteia o conceito do novo álbum. E o pensamento da cantora nos últimos tempos.

"Deus é mãe, Deus é mãe", repete a frase. "Esse país tá precisando de um pouco de colo de mãe. A gente está precisando dar colo para esse país, porque ele tá muito abandonado. Fico muito furiosa não porque penso no futuro, mas porque penso no presente do país. Até hoje se fala que o Brasil é o país do futuro, mas o Brasil tinha que ser o país do presente", exclama, dizendo que 'Deus É Mulher' é uma forma de agradecimento a seus fãs. E uma proposta de luta. "Quem faz arte quer sempre fazer uma coisa de valor, que valha a pena", afirma a cantora.

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