Marjorie Estiano - Globo/Mauricio Fidalgo
Marjorie EstianoGlobo/Mauricio Fidalgo
Por BRUNNA CONDINI

Rio - Aos 36 anos, Marjorie Estiano se consagra como uma das melhores atrizes de sua geração. No ar na segunda temporada da série 'Sob Pressão', na Globo, na pele da médica Carolina, que apesar da dura realidade do hospital público em que trabalha, segue firme na vocação, ela comenta algumas das mudanças que a personagem sofreu de uma temporada para outra. Principalmente em relação à questão emocional.

Carolina se entregou ao amor e casou com Evandro (Julio Andrade). A médica também encarou os traumas e o pai (que morreu há dois episódios), depois de ter denunciado o abuso que sofreu.

"As experiências vão construindo a gente lentamente. Ninguém muda de uma hora para outra e, mais que isso, acho que para mudar determinados padrões de comportamento tem que se esforçar muito", reflete.

"Algumas oportunidades surgiram ao longo da primeira temporada, oferecidas pelo exercício da profissão, pelo relacionamento com uma pessoa que pensa muito diferente dela em alguns aspectos, por ter enfrentado e denunciado o pai que abusou dela durante a infância. Acho que tudo isso foi se estabelecendo como reafirmação e renovação de alguns valores, de fé, de saúde, amor. Uma proposta de mudança de conduta diante de outros... como em relação ao recurso de automutilação. Caminhando para frente, às vezes um passinho para trás, mas sempre na busca", diz.

A biografia da personagem, bem como sua força e vulnerabilidade, aproximaram ainda mais a atriz do público. "Recebi retorno de algumas vítimas que se identificam com a história da Carolina. É uma ferida solitária, que parece que te separa, te isola, mas quando compartilhada ajuda no processo da cicatrização. Sentir-se parte de um grupo fortalece de alguma maneira", analisa.

"É uma violência que te acompanha para sempre, e acho que as características ambíguas da Carolina, com altos e baixos, aproxima. A vítima não é um herói no sentido fantasioso, é uma pessoa comum, e a gente acompanha essa mulher que não tira de letra esse passado, mas que segue tentando superar. E acredito que isso torne a personagem inspiradora, porque não está longe, não está no alto. Está do seu lado", diz.

Ela descreve no que se identifica com a cirurgiã vascular. "Acho que temos resistência, determinação, cada uma da sua forma, mas vejo isso como pontos fortes de nós duas. Me orgulha muito encontrar características em comum com ela. Tenho Carolina como um ídolo, principalmente nas diferenças. É lindo como ela é permeável e sensível ao entorno, mesmo nas piores situações. Isso é um exercício para mim, e ela me inspira muito".

FICÇÃO X REALIDADE

A série, que trata dos dramas e dilemas da equipe de emergência de um hospital público, continua tendo a vida real como fonte de inspiração. "É ficção, porém os casos médicos são inspirados na realidade e fazem parte de uma coletânea de histórias extraídas dos hospitais públicos pela equipe de roteiristas e tecidos com a dramaturgia, levantando toda responsabilidade social do quadro da saúde", conta a atriz.

"Se aproxima da realidade e, quando a gente insere isso no entretenimento, desarmamos o espectador. Tanto o espectador que só tem contato com essa realidade através do jornal, quanto o espectador que é um daqueles personagens. Acho que facilita o entendimento dos mecanismos. Vamos percebendo o que é que realmente adoece a população, a origem, a causa", completa.

No episódio que vai ao ar hoje, sob influência do abuso que sofreu, Carolina não espera por provas e acusa um pai, que afirma que o filho caiu de um brinquedo na escola, de agredir a criança. O menino é encaminhado para a cirurgia, e ela acaba descobrindo o que aconteceu. A verdade a surpreende e, abalada, ela volta a se ferir. Já Evandro (Julio Andrade) cede à insistência de Renata (Fernanda Torres) e vai com ela a uma feira hospitalar. Lá, percebe um grande esquema de corrupção oficializado no evento.

Marjorie frisa que esse será um dos grandes temas da temporada. "A luz vai estar sobre a corrupção, mostrando que quando alguém rouba de um lado, muitos morrem do outro. Isso dá a dimensão do quanto todos nós estamos contribuindo para o problema e do quanto podemos e devemos participar da solução", diz.

SAÚDE SUCATEADA

Desde a época da filmagem do longa homônimo, tanto Marjorie quanto os outros atores tiveram contato direto com os profissionais da saúde e sua realidade. E a atriz conta que isso se manteve ao longo da gravação das duas temporadas. "É importante fazer uma manutenção desse contato. Ele renova as reais motivações, nutre o olhar. Acompanhei um plantão em um dos nossos hospitais públicos e é bem impactante: a sala de cirurgia sem porta, o dormitório que não tinha uma janela e o calor era muito grande, apenas um banheiro feminino funcionando, e faltou água no final daquela noite. Paredes, tomadas, torneiras, aparelho, tudo sucateado", revela.

"É um abandono tão grande e todos estão inseridos nisso, tanto o paciente quanto os profissionais da saúde. Mas sobretudo, é muito tocante receber os pacientes, realizar que são todos ali doentes crônicos da falta. Falta saúde porque falta educação, respeito, falta justiça social, perspectiva. É um doente que o médico trata, mas vai voltar logo porque o tratamento não atinge a causa", diz.

Mergulhada no atual trabalho, ela fala do envolvimento total com Carolina e o universo da personagem. Será que algum dia, na vida real, a atriz cogitou a medicina?

"Fiquei muito seduzida quando comecei a estudar a personagem e o universo da medicina. É um mundo inesgotável de possibilidades, tanto dentro do corpo humano, no que diz respeito à matéria, quanto no contato com a história de cada paciente. É um olhar tão potente. Não se mede o que a relação médico/paciente pode 'curar'", observa.

Ela surpreende: "Confesso que pensei em um vestibular, mas acho que nessa troca ator/personagem/espectador, a Dra. Carolina acabou me dando algo que imagino ser próximo".

BRILHO NOS OLHOS

A atriz, cantora, compositora e apresentadora é discreta quanto à vida pessoal, mas fala com entusiasmo do trabalho. Desde a estreia na TV como a vilã Natasha, em 'Malhação' (2004), Marjorie vem colecionando personagens femininas memoráveis, como a Cora de 'Império' (2014), numa dobradinha com Drica Moraes que precisou se afastar da trama. Ou como a íntegra Mariana, da minissérie 'Ligações Perigosas', e a romântica Emília e sua forte relação com a irmã, vivida por Nanda Costa, no longa 'Entre Irmãs' (2017). Com talento reconhecido, ela comenta o que a move na escolha dos papéis. "Meus interesses não obedecem um critério muito específico. Minhas escolhas são constituídas sempre por um conjunto de elementos, mas meus olhos brilham muito quando se deparam com algo novo. Em características, em linguagem, o novo", entrega.

"O novo é desafiador, me obrigada a investigar perspectivas diferentes. Isso amplia minhas ferramentas e é muito enriquecedor em diversos aspectos, muito difícil, mas sedutor e gratificante. O propósito maior do que é artístico, ao meu ver, é ser um instrumento. Adoro perceber algo inédito em mim", finaliza.

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