Nathali e Hugo fazem produtos coloridos para que não sejam confundidos com armas de fogo, devido à violência em periferias e comunidades - Carolina Netto / Divulgação
Nathali e Hugo fazem produtos coloridos para que não sejam confundidos com armas de fogo, devido à violência em periferias e comunidadesCarolina Netto / Divulgação
Por O Dia
Rio - Dois irmãos da Zona Oeste do Rio de Janeiro e uma única paixão: fazer cinema! Em 2016, Hugo Lima e Nathali de Deus, após o desafio de aprontarem “Siyanda”, filme que foi produzido em um prazo de 72 horas, identificaram a necessidade de se criar um negócio que disponibilizasse soluções tecnológicas de baixo custo para cineastas independentes e de baixa renda, viabilizando a produção audiovisual em comunidades e periferias.
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O filme, que tratava de uma mulher negra rejeitada em uma vaga de emprego, produzido com poucos recursos técnicos e financeiros, foi bem avaliado pela crítica e venceu o prêmio de melhor roteiro, conquistando a posição de 3° melhor filme no Festival 72horas. Inconformados com as dificuldades de fazer cinema no Brasil, Hugo e Nathali criam um coletivo de cinema negro que foi batizado com o nome do premiado filme e também uma startup de tecnologia, hoje a WoTec, que em iorubá "Wo" significa "visão", e "Tec", em português, a abreviação "tecnologia".
Dois jovens negros que começaram a produzir cinema perceberam a dificuldade de adquirir equipamentos para a produção. Eles entenderam que não dava mais para fazer cinema simplesmente com uma câmera e uma ideia na cabeça, precisa de mais. Técnico em eletrônica há mais de 16 anos, Hugo Lima cursou engenharia da computação e atualmente cursa Cinema na Academia Internacional de Cinema (AIC). Nathali de Deus é antropóloga formada pela Universidade Federal Fluminense – UFF e mestranda em relações étnico-raciais pela CEFET-RJ, sua dissertação não poderia ser outra, cinema negro.
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A WoTec surge como startup brasileira que é pioneira em criar do artesanal para o altamente tecnológico, levando qualidade e criatividade para o audiovisual. Foi durante a pandemia, em agosto deste ano, que o projeto foi selecionado para o Programa de Aceleração Social Impulso, uma iniciativa do Instituto Ekloos, com o apoio do Oi Futuro e Labora e patrocínio da Oi e Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro. O objetivo do edital foi impulsionar negócios de impacto social, grupos e coletivos da área cultural, para que possam se desenvolver, estruturar/aperfeiçoar seus processos de gestão e ampliar o seu impacto social. Após participar do programa de aceleração, Hugo e Nathali remodelaram os produtos, desenharam estratégias, e agora estão sendo lançadas para o mercado.
“A grande maioria das pessoas que adquirem nossos produtos são pessoas pretas, muitas não têm condições de comprar este e outros equipamentos das grandes marcas” afirma Nathali de Deus.
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Equipamentos de baixo custo para produções com quase zero de orçamento são as características da WoTec, a empresa que vem sendo acelerada através de mentorias do Instituto Ekloos, está produzindo no mercado equipamentos e acessórios como: três tabelas, suspensão pra microfone shotgun, estojos para cartão de memória, presilhas elásticas, baterias para câmeras e equipamento de áudio, suporte para câmeras, mesas de luz inteligente wi-fi e sem fio, entre outros. Ao todo, são 3 linhas de produtos: produtos de assistência de câmera, equipamentos com eletrônica embarcada para luz e câmera, acessórios vestíveis como coletes e cartucheiras para set de filmagens.
Com a vasta experiência em eletrônica, a paixão por cinema e o conhecimento mais que vivido das desigualdades étnico-raciais, Hugo e Nathali, co-fundadores da WoTec, são pautados também nos números que mostram um cenário nada favorável para negros no mercado de longas metragens comerciais, de acordo com o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa – Gemaa, 78% são homens brancos, 19% são mulheres branca, 2% são homens negros e 0% mulheres negras. É com base nestes dados, que a WoTec trabalha para levar equipamentos e facilitar principalmente produções que são desenvolvidas por pessoas negras.
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A pesquisa “A cara do cinema nacional” mostra que o Brasil das telas do cinema é um país predominantemente branco. Apesar de serem mais de metade da população (50,7%), os pretos e pardos representaram apenas 20% dos atores e atrizes que atuaram em papéis de destaque nos filmes brasileiros de maior bilheteria nos últimos anos.
Com a morte de jovens negros, pobres e das periferias brasileiras, demonstrando um enorme genocídio no país e visto que muitos de seus clientes são produtoras e cineastas que residem nessas periferias, a WoTec teve a preocupação de criar equipamentos que não tivessem a cor preta, sendo assim, todos os equipamentos que saem da startup são coloridos, justamente para que estes cineastas ao chegarem em suas comunidades com um equipamento, que este não fosse confundido.
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“Decidimos que nossos produtos não poderiam ser pintados de pretos, ou cores escuras, para evitar que fossem confundidos com armas de fogo. Isso não garante que incidentes como se não aconteçam, mas foi uma estratégia que adotamos pensando na segurança de quem usa. Dessa forma qualquer pessoa pode utilizar nossos produtos.” completa Hugo Lima.
Cineastas, pequenas e grandes produtoras e produtores de conteúdo audiovisual podem adquirir os produtos da WoTec através do site, instagram ou WhatsApp. Os produtos estão disponíveis pela loja online.