Rio – A decisão da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa) de aumentar para três dias os desfiles do Grupo Especial dividiu opiniões de integrantes das agremiações, especialistas em Carnaval e jornalistas que cobrem a Sapucaí, além de gerar intensos debates nas redes sociais. A partir de 2025, as 12 escolas se apresentarão entre domingo e terça-feira, sendo quatro por noite. O evento ganhará, também, atrativos após a passagem dos componentes, como shows de samba.
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Além disso, os ingressos das arquibancadas deverão sofrer redução no preço. Pelo novo regulamento, os jurados passarão a fechar as notas ao final de cada noite. Antes, eles só precisavam lançá-las de forma defintiva depois da última agremiação. As modificações foram aprovadas pelos presidentes de cada escola na noite de segunda-feira (6), na sede da Liesa.
O experiente carnavalesco Mauro Quintaes, que tem passagens por Salgueiro, Mangueira e Porto da Pedra, entre outras, comentou a novidade, em entrevista ao DIA. "Estamos diante de uma das maiores mudanças nesses 40 anos de Sapucaí. Uma grande mudança de hábitos carnavalescos. Isso envolve público, a própria imprensa, a logística de deslocamento e principalmente, esta questão do julgamento. O impacto de baratear o ingresso precisa ser bem analisado. Quem assiste a um dia, ok. E quem gosta de assistir aos três? Temos que entender até que ponto isso será barateado", argumentou.
O jornalista, escritor e comentarista de Carnaval Fábio Fabato apontou problemas e falta de debate da Liesa com a comunidade do samba para a tomada de decisão. "Meu medo é que, na ânsia pela 'camarotização' do desfile, as escolas virem coadjuvantes do próprio espetáculo. Uma decisão tomada de modo apressado, sem debate com sambistas e extremamente mal comunicada. Desde 1984, não havia algo tão traumático no sentido de alteração estrutural do Carnaval. Era preciso mais diálogo". Segundo ele, o conceito de "madrugada adentro da festa" também foi ferido: "Os dois dias conversavam entre si, já que o carnaval é uma disputa. Agora, parecem shows desconectados."
O veterano intérprete Neguinho da Beija-Flor viu a novidade com bons olhos. "Eu acho a ideia maravilhosa. Nós temos a maior festa popular do planeta a céu aberto. É o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Ela acontece no domingo e segunda, mas e na terça? O desfile do maior espetáculo acaba em dois dias? Achei a ideia maravilhosa", afirmou.
A premiada Selminha Sorriso, porta-bandeira da Beija-Flor, propõe um olhar de esperança para o tema. "Vamos ter que esperar para ver se vai dar certo. É uma inovação, o que causa nas pessoas um certo questionamento. Mas acredito muito que vai dar certo. Aí, estão envolvidos torcedores, parceiros, investidores... Vamos esperar e torcer", disse.
Manoel Dionísio, fundador do mais antigo projeto social formador de casais de mestre-sala e porta-bandeira do Rio, também se manifestou. "Tudo o que a Liesa fizer para o engrandecimento do Carnaval e sem prejudicar o sambista, que já vem sendo prejudicado, eu estou de acordo. Tudo que for para aumentar o evento é bom. Mas a minha insatisfação de que o sambista está sendo afastado."
O jornalista e coordenador da Rádio Arquibancada, Anderson Baltar, considerou a decisão apressada, "sem qualquer espécie de debate público". "Eu acho extremamente excludente. Muitas pessoas trabalham na Quarta-feira de cinzas, muitos componentes das escolas trabalham. A estrutura da cidade vai ser comprometida. Muita gente que trabalha na quarta vai precisar se deslocar e ainda vai ter carro alegórico na rua. Acho que é uma decisão tomada meramente por interesses comerciais, de venda de ingresso e transmissão de TV, e o público-alvo do Carnaval, sobretudo o povo, não foi consultado e sairá prejudicado", afirmou.
Já Marcelo Missailidis, novo coreógrafo da Mocidade Independente, aprovou. "Eu sou a favor, principalmente porque acredito que essa iniciativa, além de possibilitar um aumento na receita de bilheteria nas noites de Carnaval, favorece todo o sentido macroeconômico da cidade, da rede hoteleira, do comércio. As noites para o público são em um formato mais possível de suportar. Antes, elas eram excessivamente extensas. Para o público que chegava no início e resistia até o espetáculo terminar, praticamente às 5h, era extenuante. As pessoas não suportavam esse tempo excessivo. Por outro lado, evita o risco de escolas que se programaram para desfilar à noite terem que fazer isso com o dia amanhecendo, o que muitas vezes inviabiliza todo o projeto criado."
Rachel Valença, escritora, pesquisadora e integrante da Velha Guarda do Império Serrano, é contra a alteração no cronograma tradicional. "As mudanças anunciadas pela Liesa me causaram muita tristeza. O que me abalou foi verificar que a entidade representativa das escolas de samba acha que é necessário diminuir o número de escolas por noite para abrir espaço para uma atração. Sempre achei que naquelas noites mágicas a atração eram as escolas de samba. E tinha orgulho de verificar que pessoas do Brasil todo e até de outros países se deslocavam para assistir a esse espetáculo 'sui generis' de celebração da vida. Vejo agora que os dirigentes têm outra visão. Cuidam para que haja uma atração... Isso é muito revoltante", reclamou.
O experiente compositor Cláudio Russo, vencedor de sambas na Portela, Beija-Flor, Viradouro e em muitas outras agremiações, disse que aguarda com ansiedade a definição final sobre o formato de cada noite. "No primeiro momento, me assustou ter uma atração fechando o desfile. Acho que a maior atração são as próprias escolas. Mas já pensou se em um dia for uma hora de show do Zeca Pagodinho, no outro dia, Belo e Exaltasamba, e no outro dia Alcione? Isso seria bom. Precisamos esperar. O novo sempre vem e o novo traz a mudança. Nesse momento, essa mudança é vista com preocupação. Isso é normal. Acho que precisamos amadurecer as ideias e entender as propostas", comentou.
Em uma publicação nas redes sociais, o professor de história, escritor e pesquisador de cultura popular Luiz Antonio Simas, reprovou a mudança. "Três dias, apenas quatro escolas por dia, com 'atrações' para manter o público na Avenida depois. As escolas de samba caminham para virar coadjuvantes de seus próprios desfiles", lamentou.
Nilcemar Nogueira, fundadora do Museu do Samba e ex-secretária municipal de Cultura, demonstrou preocupação sobre como os desfiles mirins serão realocados, já que eles aconteciam justamente na terça-feira de Carnaval. "Me preocupa o deslocamento das crianças, em que dia elas vão desfilar. Elas são o futuro do nosso Carnaval. Precisa haver uma preocupação grande com isto. Acho que não levar para depois das escolas do Especial. Os desfiles vão ser no domingo, segunda e terça. E as crianças? Isso me preocupa, já que temos sexta e sábado com o grupo de Acesso”, afirmou.
Presidente da Liesa se manifesta em redes sociais
Em seu perfil no Instagram, o novo presidente da Liesa, Gabriel David, falou sobre a decisão. "Hoje, a mudança da iluminação do Sambódromo afeta diretamente dois quesitos: as alegorias e fantasias. Quando isso acontece e uma escola tem que desfilar à luz do dia, ela perde o impacto direto que a luz tem, e isso afeta o resultado. A gente não pode permitir que isso tenha chance de acontecer. Esse é o principal motivo para a mudança: preservar a competição e manter um cenário idêntico a todas as escolas." O dirigente também citou o impacto econômico que a novidade vai trazer para a cidade, fazendo com que turistas fiquem mais tempo no Rio.
Gabriel garantiu, ainda, que após a mudança, o valor dos ingressos vai diminuir. "Precisávamos ter um número maior de ingressos para um número maior de pessoas assistirem. É uma forma de democratizar ainda mais a ida ao Sambódromo. Com três dias, nós temos essa possibilidade. Já que nem a prefeitura consegue fazer obras para, de fato, aumentar o Sambódromo, é uma forma que nós encontramos de ter um número maior de ingressos disponíveis para que mais pessoas possam estar no Carnaval", explicou.
Impacto na rede hoteleira
A mudança terá impacto direto na rede hoteleira e no turismo. Esta é a visão do presidente do sindicato HotéisRio, Alfredo Lopes. "A divisão dos desfiles do Grupo Especial do Carnaval do Rio em três dias era um pleito antigo da hotelaria pois permitirá um aumento de permanência dos turistas na cidade, beneficiando toda a cadeia, de hotéis a restaurantes. Além disso, um número maior de dias permite que os espectadores usufruam melhor da festa, realizada em horários mais adequados, tanto para os espectadores quanto para as próprias agremiações, agregando mais qualidade ao espetáculo."
Procurados, o governo do Estado e a prefeitura não se manifestaram sobre as mudanças até o fechamento da reportagem. O espaço está aberto para posicionamento.
Sorteio no dia 23 de maio
A Unidos de Padre Miguel, atual campeã da Série Ouro, abrirá o domingo, em 2 de março de 2025, com a Unidos da Tijuca, atual 11ª colocada do Grupo Especial, iniciando a segunda-feira (3 de março). A Mocidade, que ficou em décimo lugar em 2024, abrirá a terça-feira, dia 4 de março.
As demais serão divididas em trincas, com a ordem sendo definida em sorteio, no 23 de maio, na Cidade do Samba: Mangueira, Portela e Beija-Flor; Grande Rio, Viradouro e Salgueiro, e Paraíso do Tuiuti, Vila Isabel e Imperatriz Leopoldinense.
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