Edvana Carvalho, atriz que interpretou a Inácia em Renascer, fala sobre ancestralidade, diversidade religiosa e a força da mulher negraVinicius Mochizuki

A atriz, poetisa e escritora Edvana Carvalho deu vida à encantadora Inácia na regravação da novela Renascer. Conquistou muitos fãs com sua linda interpretação da personagem e ajudou a quebrar preconceitos e tabus sobre fé, religião e sobre o papel da mulher negra. A história marcante e o enredo já deixaram saudades. Mas o legado das cenas da artista permanece empoderando e dando voz para muitas pessoas.

Já são quase 40 anos de carreira, mas Edvana ainda tem muita história para traçar. Aos 56 anos, a atriz coleciona trabalhos de destaque, participou do Bando de Teatro do grupo Olodum, atuou em filmes como “Ó Pai, Ó” e também integrou os elencos das novelas “Clandestinos” e “Pega Pega”.

Criada em um bairro pobre de Salvador, a artista passou por dificuldades, mas conseguir seguir seu sonho e brilhar na carreira. Não foi fácil chegar à fama. Ela destaca sua força e coragem em suas raízes, sua ancestralidade e seu trabalho. Dona de muita alegria, autoestima elevada e simpatia, Edvana bateu um papo com a gente sobre família, carreira e sobre a força feminina. Ela deixou um recado muito importante para todas as mulheres. Confiram a entrevista completa!

Como foi sua criação e sua relação com a família?
Minha mãe me criou praticamente sozinha. Ela era um “pãe”, me deu uma criação bastante severa, eu tinha que estudar bastante. Sempre me dizia que não tinha herança para me dar, mas iria me deixar os estudos como herança. Eu tive pouco contato com meu pai, o nome dele era Ivã, acho que tenho essa herança artística dele. Apesar da pouca convivência, eu o conheci e o amei. Minha mãe faz 83 anos em novembro. Hoje cuidamos do bem-estar dela, ela mora conosco e é a matriarca da casa.

O que significou a Inácia na sua carreira?
A Inácia é um daqueles personagens que acontece na vida de um artista e que é um divisor de águas na carreira. Eu estou muito feliz que ela tenha acontecido para mim, na minha vida. Tempo é tempo. E principalmente para nós, mulheres pretas, o tempo se alonga nesse quesito. O tempo do reconhecimento na carreira, na profissão e na questão financeira acaba sendo outro.

A personagem tinha uma relação forte as religiões de matriz africana. As cenas ajudaram a quebrar preconceitos?
A Inácia é uma personagem que trouxe para o público a religião de matriz africana de uma forma elegante e positiva, como ela realmente é e como deve ser tratada. A gente precisa colocar essa religião no lugar de destaque como todas as outras, elas merecem respeito. Desde pequena convivi com essa crença, toda a minha família é envolvida com candomblé, catolicismo, espiritismo e umbanda. Na adolescência procurei entender também as religiões evangélicas. Mas dentro de mim sinto que tenho o candomblé e o catolicismo misturados. E está tudo bem, pois louvar a Deus não importa a forma, o importante é a fé, é ter essa conexão.
Mudar a vidas das pessoas com essa personagem foi o mais impactante para mim. Encontrar as pessoas na rua e sentir esse impacto foi maravilhoso. Foram relatos do tipo: “Olha minha mãe não falava comigo há quatro anos porque eu sou da umbanda e ela era super católica”, “Sou evangélico e estou aqui aos prantos com você fazendo essa oferenda para Yemanjá”. São relatos emocionantes. As pessoas se arrepiam e me contam o quanto se emocionaram. Foram meses fazendo essa novela. Foi lindo.
A atriz Edvana Carvalho - Vinicius Mochizuki
A atriz Edvana CarvalhoVinicius Mochizuki


O que falta fazer na carreira?
Muitas coisas. Mais cinema como protagonista, outras novelas, outras peças. Acho que o artista, ele não para. Ser artista é como a vida, ela não para.

Você é uma mulher com autoestima elevada. Qual a receita para alcançar isso?
Autoestima é algo que a gente constrói. Se fosse depender de outros aspectos, como o racismo estrutural que passei na infância e na adolescência, talvez fosse para eu ser uma pessoa com autoestima baixa. Mas acho que isso tem relação com a minha personalidade e com a personalidade da mulher que me criou, minha mãe a dona Edna.

Como driblar o etarismo e a ditadura da beleza sendo artista?
Toda mulher, independente da condição social, da classe, da raça, deve procurar não se pautar isso. Eu procuro ser assim. A beleza, na nossa sociedade, é vista como uma coisa para a juventude. Mas existe beleza em todas as idades. Não vejo problema em fazer um ou outro procedimento para ser mais feliz. O que não gosto é ter que seguir uma moda ou só ser bonita se meu rosto não tiver nenhuma ruga. Procuro não seguir padrões.

Você se acha um mulherão? O que é ser um mulherão para você?
Sou mulherão porque sou alta (risos). Eu tenho mais de 1,70. Ser um mulherão é ser dona do seu próprio nariz e das suas escolhas. Não depender financeiramente de ninguém. Isso é uma luta diária, uma conquista. Claro que a gente sempre acaba dependendo para conseguir algumas coisas. E eu sou muito grata pelas pessoas que me ajudaram a construir cada tijolo da minha vida. Meu ex-marido por exemplo, minha mãe, meus amigos. Mas acho que devemos nos bancar e tomar as nossas decisões.

Pode deixar um recado para todas as mulheres?
O mais importante é se amar da forma que for. Saber que merece ser amada. Ser amada e amar bastante. Se divertir, fazer o que gosta e não achar que tem idade para nada. Você está viva, então você pode fazer qualquer coisa.