Bolsa Família será substituído pelo programa Auxílio Brasil a partir de novembro deste anoAgência Brasil

Rio - Na última terça-feira, 10, o governo Bolsonaro publicou no Diário Oficial da União (DOU) a Medida Provisória (MP) nº 1061/21 que institui o programa Auxílio Brasil, substituto do atual Bolsa Família. Segundo o ministro da Cidadania, João Roma, os valores do novo benefício serão definidos em setembro e este deverá incluir mais dois milhões de pessoas - atualmente, o Bolsa Família acolhe cerca de 14,6 milhões de brasileiros. Dividido em nove modalidades cumulativas, no entanto, especialistas têm comentado acerca de um possível afastamento da horizontalidade do programa, o que pode afetar o compromisso com os mais vulneráveis.
A reformulação do Bolsa Família tem sido um dos pontos mais levantados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nos últimos meses. Mirando a corrida eleitoral em 2022, o aumento do valor do programa é um meio de alavancar a popularidade do governo, que vem sofrendo severas críticas devido aos escândalos envolvendo a gestão da pandemia. A medida que reformula o Bolsa Família e o transforma no Auxílio Brasil, no entanto, tem gerado algumas críticas em relação ao objetivo inicial do programa e as novas regras definidas pelo governo.
Publicidade
Para Vivian Almeida, economista e professora do Ibmec RJ, a separação do público em modalidades cumulativas para a concessão do benefício, além da divisão por renda (como é feito atualmente no Bolsa Família), acaba aumentando os custos do programa e, embora isso seja bom, impede a inclusão de mais pessoas no programa.

“O problema não é as pessoas receberem mais, porque a gente sabe que elas estão precisando muito, mas a gente sabe também que tem muito mais gente precisando (...) o programa permite a acumulação das pessoas que já estão dentro, minha preocupação é com as pessoas que não conseguem entrar no programa”, explicou.
Outra questão que deve ser abordada, segundo a economista, é o conceito de renda básica, que deveria ser tratado como o objetivo central do programa. “Uma renda básica universal, por definição, é uma renda que está muito mais preocupada com o piso do que com o teto. Deve haver uma distribuição do benefício para que as pessoas tenham tranquilidade em buscar suas escolhas”.

Além disso, das nove modalidades que compõem o novo programa, seis acabam ganhando um “status” de bonificação. Apesar de ser uma ideia produtiva para incentivar o desenvolvimento cidadão, para Vivian, esses esforços poderiam ser empregados de uma forma diferente, sem desviar a proposta original do programa.

“O Bolsa Família e o Auxílio Brasil devem ser entendidos como um instrumento para que as pessoas possam sair dele. A boa política pública é aquela que se autodestrói e não se faz mais necessária e, portanto, como ela não se faz mais necessária, é importante que ela olhe para essas pessoas que não estão, por algum motivo, conseguindo atravessar o caminho”, finalizou.
Publicidade
Entenda o programa
Os valores do novo auxílio ainda não foram definidos pelo governo, mas o presidente afirmou que o programa deve conceder um aumento de, no mínimo, 50% no valor médio do Bolsa Família. Atualmente, a média recebida pelos beneficiários é de R$ 189 - ou seja, o Auxílio Brasil ficará em torno de R$ 283,50. O Executivo planeja iniciar os pagamentos a partir de novembro, depois de encerrar o auxílio emergencial 2021, prorrogado até outubro.
Publicidade
A MP nº 1061/21 entrou em vigor a partir da publicação no DOU e tem força imediata de lei. No entanto, o texto precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado em até 120 dias para não perder a eficácia. Na segunda-feira passada, 9, o presidente da República entregou ao Congresso a medida que cria o programa. 
Os valores de transferência de renda dependem da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios. A proposta prevê o parcelamento de precatórios, que são as dívidas da União com sentença judicial definitiva. Sendo assim, se aprovada, a medida abrirá espaço para as despesas com o novo programa social. 
Publicidade
Segmentação do Auxílio Brasil
Com a nova atualização, o benefício contará com nove “modalidades”, que passarão a segmentar as famílias recebedoras do auxílio. As famílias que se enquadrarem nos critérios também poderão receber simultaneamente mais de um auxílio financeiro, até o limite de cinco por família.

Segundo o Ministério da Cidadania, dentre as ramificações, três compõem o núcleo básico do programa e os benefícios entrarão em vigor dentro de 90 dias. São eles:

Benefício de Superação da Extrema Pobreza - Caso seja comprovado que, após receber os benefícios anteriores, a renda mensal per capita (por membro) da família ainda não superou a linha da extrema pobreza, a mesma terá direito a este suporte financeiro. Neste caso, segundo o governo, o benefício não tem limitações em relação ao número de membros na família.

Benefício Primeira Infância - Esta modalidade é destinada às famílias com crianças de até três anos. O valor ainda não foi divulgado pelo governo e o pagamento é limitado a até cinco benefícios por família.

Benefício Composição Familiar - Este benefício será pago a famílias com gestantes ou pessoas com idade entre 3 e 21 anos incompletos. A modalidade amplia a faixa etária do atual Bolsa Família, que limita o benefício aos jovens de até 17 anos. Ainda conforme o governo, o objetivo desta modalidade é incentivar jovens a continuar os estudos e concluir pelo menos um nível de escolarização formal. O limite definido é de cinco benefícios por núcleo familiar.

As outras seis modalidades, fora do núcleo básico, compõem uma espécie de “bônus”, colocada pelo governo como uma série de ferramentas para inserção socioeconômica e entram em vigor imediatamente. São elas:

Bolsa de Iniciação Científica Júnior - Esta modalidade será concedida a estudantes com um bom desempenho em competições acadêmicas e científicas - que sejam beneficiários do Auxílio Brasil. A transferência do valor será feita em 12 parcelas mensais e não há número máximo de beneficiários por núcleo familiar.

Auxílio Criança Cidadã - Direcionado ao responsável por família com crianças de zero a 4 anos incompletos que tenha uma fonte de renda, mas não encontre vaga em creches públicas ou privadas da rede conveniada. O valor será pago até a criança completar os 48 meses (4 anos) de vida. O limite do benefício por núcleo familiar ainda será regulamentado.

Auxílio Esporte Escolar - Destinado a estudantes com idades entre 12 e 17 anos incompletos que se destacarem em competições oficiais do sistema de jogos escolares brasileiros. É necessário também que esses jovens sejam membros de famílias beneficiárias do Auxílio Brasil. Nesta modalidade, será realizado o pagamento de uma parcela única e de mais 12 parcelas mensais por estudante.

Auxílio Inclusão Produtiva Rural - Será pago por até 36 meses aos agricultores familiares inscritos no Cadastro Único. Esta modalidade será voltada ao incentivo da produção, doação e consumo de alimentos saudáveis por agricultores familiares que recebam benefícios do núcleo básico. No primeiro ano, após carência de três meses, o pagamento será condicionado à doação de alimentos para famílias em vulnerabilidade social atendidas pela rede de educação e socioassistencial. Além disso, os municípios deverão firmar um termo de adesão com o Ministério da Cidadania.

Auxílio Inclusão Produtiva Urbana - Aqueles que estiverem na folha de pagamento do programa Auxílio Brasil e comprovarem vínculo de emprego formal receberão o benefício. O recebimento desta modalidade ficará limitado a um benefício por pessoa e por família.

Benefício Compensatório de Transição - Valerá para famílias que estavam na folha de pagamento do Bolsa Família e perderam parte do valor recebido em decorrência das novas regras do Auxílio Brasil. Ele será concedido no período de implementação do novo programa e mantido até que o auxílio supere o valor recebido antes através do Bolsa Família; ou até que a família em questão não se enquadre mais nos critérios de elegibilidade.
Publicidade
Desfocalização
Na avaliação do pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, Daniel Duque, o Auxílio Brasil desvia o foco inicial do Bolsa Família. Isso porque o programa criado há 18 anos, durante o governo Lula, visa amenizar a situação de vulnerabilidade social enfrentada por tantos brasileiros. No entanto, o novo programa assistencial vai aumentar o seu escopo, concedendo benefícios relacionados à empregabilidade, educação e saúde.

O especialista avalia que o programa utilizará os mesmos recursos, que deveriam ser usados para um objetivo específico, mas vai competir com outros perfis de políticas públicas. E ele exemplifica: “Famílias, que têm um filho que participa das Olimpíadas de Matemática, são menos vulneráveis do que as famílias médias beneficiadas pelo Bolsa Família. Na verdade, isso gera uma perda de focalização do programa”, opinou Duque.

“O ideal seria reajustar o benefício e criar as condições fiscais para aumentar o valor do Bolsa Família atual. Mas o governo quis fazer um programa para chamar de seu. Com isso, introduziu mudanças de desenho que eu considero que são, relativamente, piores se comparado ao que temos hoje no Bolsa Família”, afirmou o pesquisador da FGV, reforçando que o propósito do recurso deveria ser combater a pobreza e a extrema pobreza.

Alimenta Brasil

O Governo Federal também criou, a partir desta medida provisória, o Programa Alimenta Brasil, que substitui o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Publicidade
O projeto consiste na compra pelo poder público de alimentos produzidos por agricultura familiar, garantindo uma renda mínima aos produtores. A política não tem mudanças expressivas em relação a anterior e, segundo o governo, apenas consolida normas já existentes.
O texto da medida afirma que o programa é um incentivo à agricultura familiar e que visa promover inclusão econômica e social, além de garantir acesso à alimentação para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. 
Publicidade
*Estagiária sob supervisão de Marina Cardoso