A pressão da equipe econômica do ex-presidente Bolsonaro por uma reforma mais rígida para os militares causou desconforto sobre a cúpulaFernando Frazao/Agência Brasil

Em 2017, o Brasil viu uma transformação significativa em suas relações de trabalho com a aprovação da Reforma Previdenciária pelo então presidente Michel Temer. Esta reforma modificou muitos aspectos do mercado de trabalho e mesmo seis anos depois, segue como alvo de debates acalorados e críticas contundentes por parte de alguns grupos. Algumas categorias profissionais conseguiram manter certos direitos intocados, e o debate voltou ao cenário político após a eleição de Luís Inácio Lula da Silva.
Em reunião na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) realizada em fevereiro deste ano, o atual Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, anunciou um grupo de trabalho para fazer alterações no legislação trabalhista.
A reforma, que foi aprovada por uma estreita margem no Congresso (296 a favor e 177 contra), visava simplificar as regulamentações trabalhistas, tornar o mercado mais flexível e estimular a criação de empregos. No entanto, muitos argumentam que os verdadeiros privilegiados - grandes empresas e grupos econômicos - continuam a se beneficiar enquanto os trabalhadores comuns enfrentam incertezas.
Um dos pontos mais controversos da reforma é a flexibilização das regras de contratação e demissão, que críticos veem como um benefício para empregadores em detrimento dos trabalhadores. Eles argumentam que isso pode levar a uma maior instabilidade no emprego e a salários mais baixos para os trabalhadores, enquanto as empresas podem facilmente contratar e demitir conforme sua conveniência.
De acordo com o economista Ricardo Maluf, mestre em Economia Empresarial, a reforma teria como objetivo principal "criar mais postos de trabalho através na desoneração do custo mão de obra". "Essa simplificação era importante para tirar alguns entraves que dificultavam pequenas e médias empresas de ampliarem as contratações. E, não podemos esquecer, que eles são os maiores geradores de empregos no país", disse.
Outra preocupação levantada pelos opositores da reforma é a suposta falta de medidas adequadas para combater a sonegação de impostos e a evasão fiscal por parte das grandes corporações. Eles argumentam que, enquanto os trabalhadores continuam a pagar seus impostos de forma rigorosa, as empresas podem continuar a se beneficiar de brechas fiscais, mantendo assim seus privilégios financeiros.
No entanto, o economista ressaltou algumas categorias que permanecem gozando de vantagens que não se adequaram às novas regras impostas para a maioria dos trabalhadores e acabam afogando um outro setor da economia já extremamente combalida: a previdência.
Militares
"Quando analisamos, por exemplo, que um militar consegue se aposentar a partir de 50 anos em média, com remuneração diferenciada, entendemos porque a questão previdenciária é outro problema que precisa ser reavaliada com muita urgência. Incluir no tempo de serviço o período que passaram nas escolas e nas academias não parece ser justo", disse.
Segundo Maluf, o quadro de temporários - que ficam até 10 anos e depois são desligados automaticamente - reduz o déficit da previdência militar. "Esses contribuintes, muito raramente vão se aposentar pelas forças armadas. Ao serem desligados, enfrentam dificuldades para levar o tempo de serviço para o INSS, principalmente em relação às bases de contribuição. Salvo melhor juízo, é injusto", ressaltou.
De acordo com dados oficiais divulgados pelo governo no final de 2018, o déficit na previdência dos militares até novembro de 2018 subiu 12,85% em relação ao mesmo período de 2017, de R$ 35,9 bilhões para R$ 40,5 bilhões. Nesse período, as receitas somaram R$ 2,1 bilhões, enquanto as despesas, R$ 42,614 bilhões.
A pressão da equipe econômica do então presidente Jair Bolsonaro (PL) por uma reforma mais rígida específica para os militares causou um certo desconforto sobre a cúpula do governo - à época composta por um grande número de militares - e culminou com uma fala polêmica do ex-vice-presidente e atual senador pelo Rio Grande do Sul, Hamilton Mourão (Republicanos): "É só o presidente (Jair Bolsonaro) dar uma canetada que resolve a questão".
O ex-presidente chegou a enviar um projeto de reforma para os militares para o congresso, que também foi alvo de críticas e até de manifestações por parte de praças e pensionistas, maiores afetados com as revisões de contribuição. No dia 10 de setembro de 2020, ao comparecer a uma formatura de sargentos da Marinha, na Penha, na Zona Norte do Rio, foi chamado de "traidor" por cerca de 30 pessoas.
Patrões envolvidos em processos

Outro ponto importante que a reforma trabalhista apresentou foi a alteração nas regras dos honorários e gratuidade de justiça. Com a reforma, nasce a possibilidade de condenação em honorários de sucumbência trabalhista. Para esta condenação não se faz necessária mais a assistência de advogado do sindicato.

De acordo com a advogada trabalhista Priscila Quintanilha, associada ao escritório Pedro Pamplona Advogados, o reclamante que perder uma ação, ainda que de forma parcial será responsabilizado pelo pagamento dos honorários advocatícios da parte contrária. Mesmo que seja beneficiário da gratuidade na justiça não ficará livre de responder por honorários de sucumbência, que são a reparação para a outra parte, independente do mérito trabalhista.
Em relatório divulgado no final de 2022, o volume de processos ajuizados na primeira instância pelo país caiu ao mesmo patamar de 30 anos atrás. Passados cinco anos de vigência das novas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a redução nas disputas judiciais firma uma das principais marcas das mudanças promovidas durante o governo Michel Temer (MDB), ao lado da flexibilização de direitos.
"Tanto a justiça do trabalho quanto a empresa ganham com a possibilidade do empregado ter a gratuidade de justiça negada ou ser condenado em honorários de sucumbência", complementa Priscila. "O empregador, porque o empregado avaliará a possibilidade de ingressar com a ação trabalhista e a justiça do trabalho, porque a redução no número de novas ações, possibilitou o tramite mais célere das ações", concluiu.
Grandes corporações internacionais
Outra preocupação levantada pelos opositores da reforma é a suposta falta de medidas adequadas para combater a sonegação de impostos e a evasão fiscal por parte das grandes empresas. Eles argumentam que, enquanto os trabalhadores cumprem cargas horárias extenuantes e excessivas, as empresas podem continuar a se beneficiar de brechas fiscais, mantendo assim seus privilégios financeiros.
Um dos principais alvos dessas críticas são os aplicativos que oferecem serviços no país. o uso de aplicativos para serviços de entrega, transporte e tarefas variadas tem se proliferado no Brasil. Apesar de oferecerem comodidade aos usuários e oportunidades de renda para muitos trabalhadores, surgem questões complexas e desafios preocupantes no que diz respeito aos direitos trabalhistas e à segurança dos trabalhadores.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no trimestre até junho de 2023, cerca de 39 milhões de brasileiros estavam envolvidos em trabalhos informais. Destes, aproximadamente 1,6 milhões estão trabalhando como motoristas de aplicativo ou entregadores, segundo dados divulgados em março pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Esta informalidade apresenta outro cenário ao trabalhador, apenas 23% deles têm a cobertura do INSS, segundo o estudo divulgado em setembro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na contrapartida desse panorama, em agosto deste ano a Uber divulgou um relatório que apontou um faturamento de US$ 627 milhões no segundo trimestre referente à operações na América Latina, incluindo o Brasil. Os dados apresentam um crescimento de 30% na comparação com o mesmo período no ano passado, quando a empresa registrou US$ 481 milhões.
Governo Lula criou grupo de trabalho para debater tema
Em maio deste ano, o Governo Federal criou um grupo de trabalho para regulamentar as relações de trabalho por meio de aplicativos. Formado por 15 representantes dos trabalhadores - indicados pelas principais centrais sindicais - e por 15 representantes dos empregadores - incluindo membros de entidades patronais como a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) - o trabalho deverá resultar em uma proposta de ato normativo para o setor.
À época, o presidente Lula disse "não ser contra o trabalho por aplicativo". "A única coisa que eu quero é que o Estado garanta seguridade social para os trabalhadores", declarou. Lula afirmou que é necessária a busca por um mundo do trabalho 'mais civilizado' e que é preciso "repensar as relações de trabalho mediadas pelas plataformas."
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