Apostas on-line, facilitadas pelo uso de aparelhos móveis, tornaram-se parte da rotina de muitos brasileirosJoédson Alves/Agência Brasil
Apostas on-line: entenda a polêmica por trás das bets
Somente no mês de agosto, beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões via Pix nessas plataformas, aponta Banco Central
Se você é um usuário frequente das redes sociais, é provável que já tenha se deparado com publicidade de plataformas de apostas on-line. Essa atividade, que se tornou um vício para muitos, exerce um impacto significativo na economia brasileira. Uma pesquisa do Banco Central (BC) revelou que, somente no mês de agosto, beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões via Pix em bets.
Em nota, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, comentou a notícia divulgada pelo BC.
"Após receber a informação por parte do Banco Central sobre as apostas online (BETS), solicitei esclarecimentos ao Ministério da Fazenda. É importante lembrar que os programas sociais de transferências de renda foram criados para garantir a segurança alimentar e atender às necessidades básicas das famílias, das pessoas em situação de vulnerabilidade", afirma Dias.
As apostas on-line, facilitadas pelo uso de aparelhos móveis, tornaram-se parte da rotina de muitos brasileiros. Na Região Metropolitana do Rio, os gastos anuais com apostas online chegam a R$ 2 bilhões, segundo um levantamento realizado pelo Instituto Fecomércio de Pesquisas e Análises, o que representa a venda de dois Natais e meio.
Em nota ao jornal O DIA, o presidente da Fecomércio RJ, Antonio Florencio de Queiroz Junior, expressa preocupação. "Devemos lembrar que os prejuízos no Brasil são bem maiores e que grande parte desses recursos não fica no país, provocando o enfraquecimento na economia e uma desidratação do poder de compra da população, o que intensifica a gravidade da situação", ressalta.
A fragilização do poder de compra provocada pelas bets começa a preocupar os comerciantes locais. Aldo Gonçalves, presidente do CDLRio e do SindilojasRio, destaca ao jornal O DIA que as plataformas já se tornaram concorrentes do varejo.
"Em vez de comprar bens nas lojas, um número crescente de pessoas está optando por arriscar dinheiro nas plataformas de apostas, o que torna as bets concorrentes do varejo e de outras atividades. Acredita-se que, há cinco anos, esses gastos representavam 0,27% do orçamento familiar. Hoje, eles correspondem a 1,38%, cinco vezes mais, resultado do aumento da preferência por esses jogos", afirma Gonçalves.
Além do impacto no comércio, as bets podem ser responsáveis por um aumento no número de inadimplentes. Dados levantados pela Klavi, startup que oferece serviços e integrações de software para instituições financeiras, revelam que 29% das pessoas que buscaram empréstimos nos últimos 12 meses realizaram ao menos um depósito em casas de apostas durante o mesmo período.
O defensor público federal André Naves, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política, comenta sobre o aumento das dívidas causado pelos jogos de apostas.
"Além do prejuízo econômico direto, o impacto da bets reflete-se também no endividamento familiar. Famílias que já enfrentam dificuldades financeiras se veem cada vez mais endividadas, arrastadas por um ciclo vicioso de perdas e mais apostas. O sonho de melhora financeira, promovido por uma falsa promessa de ganho fácil, rapidamente se transforma em um pesadelo de exclusão econômica", pontua.
Com o risco de aumento dos níveis de endividamento, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, alerta para a possibilidade de uma "catástrofe", como uma "bolha de inadimplência" no país.
"Os números divulgados pelo Banco Central são simplesmente chocantes. Mostram que, nos últimos 6 meses, 24 milhões de brasileiros drenaram dos seus orçamentos R$ 20 bilhões em média. Se projetarmos no horizonte maior, já antevejo uma catástrofe ou uma bolha de inadimplência se formando e precisamos impedir que venha a explodir. Não podemos pagar para ver, e essa aposta não iremos fazer", declarou.
Na terça-feira, 1º, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) antecipou a proibição do uso de cartões de crédito para pagamentos em apostas e jogos online nas bets. A medida, que estava prevista apenas para 2025, já está em vigor.
Impacto na saúde
Os impactos das bets não se restringem apenas ao setor econômico. No dia 27 de setembro, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, classificou o vício em bets como uma pandemia e afirmou que deve ser tratado com a mesma seriedade que a dependência do tabaco.
Em nota ao jornal O DIA, o Ministério da Saúde afirma que existe um Grupo de Trabalho dedicado a lidar com as questões psicológicas relacionadas aos jogos de apostas.
"O Ministério da Saúde, em conjunto com os Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento Social, participa de um Grupo de Trabalho interministerial para desenvolver políticas públicas voltadas à prevenção e ao tratamento da dependência em jogos patológicos", destaca.
Em relação ao número de atendimentos ambulatoriais relacionados a jogos patológicos, o Ministério da Saúde informa que em 2022, foram realizados 841 atendimentos e 1.290 em 2023. Até julho de 2024, já foram registrados 2.406 atendimentos. "Cabe ressaltar que os dados se referem a atendimentos e não a pessoas, uma vez que uma mesma pessoa pode ser atendida mais de uma vez", explica.
Bets: cassinos e quota fixa
Hoje, as chamadas “bets” se dividem em duas categorias: os cassinos e as quotas fixas.
As quotas fixas permitem que o apostador saiba, no momento da aposta, exatamente a taxa de retorno que poderá obter. Elas geralmente estão associadas a eventos reais, como as apostas esportivas.
Já os cassinos on-line, como o famoso “jogo do tigrinho”, são plataformas de jogos de azar, nas quais o resultado depende da sorte — ou da falta dela. Nesses casos, não há transparência quanto aos possíveis ganhos em caso de vitória ou às perdas em caso de derrota.
Quais bets são permitidas?
A Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA-MF) divulgou, na quarta-feira, 2, uma atualização da lista de sites de apostas de quota fixa que poderão continuar operando no Brasil até o fim deste ano. Na lista nacional, são 93 empresas com 205 bets, enquanto as listas dos estados incluem 18 empresas.
As plataformas que não constam na lista poderão operar apenas até o dia 10 de outubro, prazo estipulado pelo governo federal para que os apostadores realizem o saque dos valores nessas casas de apostas. A partir de sexta-feira, 11, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) bloqueará as páginas ilegais.
De acordo com uma nota enviada pela Fazenda ao O DIA, ainda em 2024, as primeiras empresas definitivamente aprovadas terão que pagar uma taxa de R$ 30 milhões para começar a operar. A partir de janeiro, elas precisarão cumprir todas as regras para combate à fraude, à lavagem de dinheiro e à publicidade abusiva, entre outras.
CPI das bets
O deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO) propôs a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a lavagem de dinheiro envolvendo influenciadores no mercado de apostas e o uso indevido de recursos do Bolsa Família nessas plataformas.
Ayres argumenta que a falta de regulação sobre o setor, que movimenta bilhões de reais no país, e a relação entre as casas de apostas e a lavagem de dinheiro são fatores que justificam a abertura de uma Comissão. A decisão de instalar CPIs na Câmara depende exclusivamente da aprovação do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Regularização das bets no país
As bets de quota fixa passaram a ser legais no Brasil durante a presidência de Michel Temer, no fim de 2018. Desde então, elas operaram sem regulamentação. Em 2023, já durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministério da Fazenda iniciou o processo de estabelecer regras e cobrar impostos das casas de apostas.
* Repórter Alexia Gomes
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