Pacote ainda será votado no CongressoEBC
A mudança, porém, ainda precisa ser votada e aprovada pelo Congresso Nacional. O piso salarial brasileiro hoje é de R$ 1.412. Pela regra atual, o reajuste do salário é calculado com base em dois índices:
- A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 12 meses até novembro, que deve ser de 4,66%;
- O indicador de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores. Para 2025, vale o crescimento econômico de 2023, que foi de 2,9%.
Com as mudanças propostas pelo governo, o reajuste do salário mínimo terá um aumento real, mas limitado a 2,5% ao ano (mesmo que o PIB de dois anos antes tenha crescido mais do que isso).
De acordo com modelo em vigor, que permanece valendo até o Congresso aprovar a mudança, o salário mínimo de 2025 será equivalente a R$ 1.520,65, ou seja, R$ 1.521, em valores arredondados. Mas, caso a mudança seja aprovada, em valores arredondados, o salário mínimo deve ser R$ 1.515.
Para Hulisses Dias, especialista em finanças e investimentos, essa medida ajudará o governo a conter gastos, já que benefícios como aposentadorias e pensões têm o salário mínimo como referência. No entanto, ele acredita que a medida não é suficiente.
Abono salarial menos abrangente
Também houve mudança na regra do abono salarial. O benefício que até então é concebido para quem recebe até dois salários mínimos passará a ter o valor fixado em R$ 2.640, que equivale a duas vezes a remuneração mínima em 2023.
O valor será corrigido a partir de 2026 pela inflação (INPC). Com o abono salarial subindo menos que o mínimo, o governo prevê que o benefício equivalerá a um salário e meio a partir de 2035.
O benefício remunera os trabalhadores que atuaram pelo menos 30 dias com carteira assinada e estejam cadastrados há pelo menos cinco anos no Fundo de Participação PIS-Pasep ou no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).
Para Dias, a medida é negativa, pois deixa o benefício do abono menos abrangente. "Essa reformulação reduz o alcance do benefício, impactando negativamente trabalhadores com rendas mais baixas que hoje se enquadram no critério atual. Embora a medida ajude a conter gastos, ela também diminui o poder de compra de uma parcela vulnerável da população".
Já para a economista Maria David, o momento de apresentar um pacote de corte de gastos "talvez fosse o caminho para eliminar" o benefício.
Faixa de isenção do Imposto de Renda
Outra proposta é a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para trabalhadores que recebem até R$ 5 mil por mês. Atualmente, o limite é de até dois salários mínimos (R$ 2.824).
A medida é uma das principais propostas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Segundo o ministro da Fazenda Fernando Haddad, ela deve entrar em vigor em 2026.
Para Dias, essa é uma medida popular e que visa as eleições de 2026. Ele entende que devem haver contrapartidas para compensar essa perda de arrecadação.
"A ampliação da faixa de isenção do Imposto de é uma medida popular e atende a uma promessa de campanha do governo, mas precisa vir acompanhada de contrapartidas. Além disso, o adiamento da implementação para 2026 sugere uma estratégia política do atual governo para reforçar sua base de apoio com vistas à reeleição, mais do que uma preocupação imediata com a equidade fiscal", opina.
Já Maria David, a medida contribui para diminuir as desigualdades, mas ela acredita que uma outra medida fiscal interessante seria acabar com isenções de setores privilegiados.
"A medida contribui para diminuir a desigualdade, mas poderia estar atrelada, por exemplo, ao fim das isenções fiscais, que ao contrário do que alegam os setores beneficiados, não há nenhum controle de que isto estimule o emprego. A experiência internacional, inclusive, é de que isto não ocorre", destaca.
Na mesma linha de Maria David, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), publicou uma análise sobre a proposta. A entidade acredita que há benefício na mudança, mas que precisaria de outras alterações para suprir a ausência das contribuições.
"A medida anunciada pelo governo é um avanço importante para aliviar a carga tributária da classe média e estimular o consumo, mas o sucesso vai depender de sua implementação e da adoção de medidas complementares. Isso porque o governo vai precisar pensar em outras alternativas para arrecadação para compensar os R$ 45 bilhões que serão 'perdidos' com a isenção do IRPF. O ministro fala em tributar em até 10% os dividendos de quem ganha mais de R$ 50 mil mensais e essa é uma medida que faz sentido do ponto de vista da justiça tributária", destaca a nota da Unafisco.
Outras mudanças
O pacote visa a garantir uma economia de R$ 1 bilhão com provimentos para concursos públicos em 2025. Também é proposta uma maior fiscalização do benefício do Bolsa Família, que poderá gerar uma economia de R$ 2 bilhões no ano que vem e de R$ 3 bilhões entre 2026 e 2030.
Além disso, foram sugeridas novas regras para aderir ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é pago a pessoas de baixa renda com deficiência e idosos. O benefício já tinha sido alvo de pente-fino da equipe econômica. Confira:
- Focalizar em pessoas incapacitadas para a vida independente e para o trabalho;
- Vedação de dedução de renda não prevista em lei;
- Passam a contar para acesso: renda de cônjuge e companheiro não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes;
- Atualização obrigatória para cadastros desatualizados há mais de 24 meses e para benefícios concedidos administrativamente sem Código Internacional de Doenças (CID);
- Biometria será obrigatória para novos benefícios e atualizações cadastrais; e
- Em uma mesma família, a renda de um benefício volta a contar para acesso a outro benefício.
Segundo o governo federal, a ideia tanto da fiscalização maior do Bolsa Família quanto das novas regras de adesão do BPC visam a conceder os benefícios a quem realmente precisa.
Ela diz que mudanças como essa são negativas se "não atingem todos os segmentos da sociedade, só aqueles que têm menos poder de pressão".
Mercado não acredita em grande economia
O DIA procurou a XP Investimentos para entender como o mercado enxergava este pacote de mudanças. A empresa respondeu que, de acordo com as suas projeções, as medidas não terão o alcance esperado pelo governo.
"A medida estrutural mais importante é a regra do salário mínimo. Contudo, mesmo essa alteração não é suficiente para que despesas, como benefícios previdenciários, cresçam abaixo do teto de gastos. Além disso, há uma série de mudanças pequenas que alteram apenas o nível de gastos no curto prazo, sem modicar sua trajetória de crescimento. Mesmo com as novas regras, a sustentabilidade do arcabouço fiscal continuará desafiadora nos próximos anos", destaca a XP Investimentos.
Além disso, a corretora aposta em reformas em 2028 para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal: "Segundo nossas projeções, o espaço para despesas discricionárias deve atingir níveis preocupantes já em 2027. A partir de 2028, novas reformas serão necessárias para que o limite de despesas seja mantido de forma sustentável".
Salário mínimo crescendo menos prejudica os mais necessitados
Para entender melhor os impactos da mudança na regra do crescimento do salário mínimo, O DIA conversou com pessoas que recebem a remuneração.
Elayne Cristyne, de 19 anos, trabalha em uma rede de fast food na Tijuca, Zona Norte do Rio. Ela não gostou das medidas anunciadas. "Acredito eles não se preocupam com a gente. Acho que se eles se preocupassem, eles pensariam melhor nesta questão. Ano após ano isso pode gerar um prejuízo maior", diz.
Já Maria Ferreira, de 67 anos, é aposentada e também recebe o piso salarial nacional. Ela, que ainda trabalha para completar a renda, fala das dificuldades enfrentadas por quem recebe o valor. "Olha, sinto que me aposentei e não mudou nada. Eu não acho justo o salário que eles me dão". Ela conta que sua neta também recebe um salário mínimo e as duas tentam se ajudar quando precisam.
A Associação Brasileira de Aposentados e Pensionistas da Nação foi procurada para se manifestar, mas não respondeu aos questionamentos sobre a mudança de regra do salário mínimo até a publicação desta reportagem.
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