Projeto UÇÁ monitora fauna em manguezal restaurado da APA de Guapi-MirimDivulgação
A floresta de mangue, que já pode ser visualizada no Google Earth, foi reestabelecida por meio da união entre uma comunidade tradicional de pescadores e catadores de caranguejos — representados pela Cooperativa Manguezal Fluminense e pela Associação dos Pescadores de Itambí (Acapesca) — e o corpo técnico de pesquisadores e ambientalistas da Guardiões do Mar.
Juntos, limparam décadas de acúmulo de lixo e plantas invasoras. Agora, os resultados desse recente inventário da fauna vêm tornando essa área um símbolo de renascimento da Baía de Guanabara.
O projeto de restauração está sendo desenvolvido na Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim, Unidade de Conservação gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que abrange os municípios de São Gonçalo, Itaboraí, Guapimirim e Magé. Apesar de ser o último reduto do ecossistema remanescente, abrigando a maior área contínua de manguezal preservada do estado do Rio de Janeiro, a APA possui trechos onde ocorreram intensos desmatamentos, em especial, até a década de 80.
O Projeto UÇÁ, que já atua há 12 anos na região, realiza as pesquisas de monitoramento. Por meio de imagens e visitas de campo, eles coletam dados sobre o crescimento das árvores, a diversidade de espécies, a presença de fauna e flora nativas, a qualidade do solo e da água, entre outros aspectos. O objetivo é contribuir para a preservação das unidades de conservação estudadas, além de desempenhar um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas, na proteção dos recursos hídricos e melhoria da qualidade do ar.
A biodiversidade é o indicador mais preciso da saúde de um ecossistema.
Com as ações de reflorestamento dos manguezais da área, houve a retirada de espécies vegetais oportunistas, como por exemplo a samambaia-do-brejo, e devido ao desenvolvimento das mudas plantadas, os animais característicos do ecossistema manguezal, incluindo o caranguejo-uçá puderam se beneficiar das mudanças no ambiente. Já foram registradas até o momento 47 espécies entre aves, mamíferos e crustáceos. O manguezal é fonte de alimento e renda para centenas de famílias (dali saem 2 milhões de caranguejos por ano) e move a economia das comunidades do entorno.
Outros estudos da equipe de pesquisa do Projeto UÇÁ em andamento são para avaliar a presença de microplásticos no trato digestivo do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e no sedimento de manguezais da Baía de Guanabara, entre outras realizadas na Lagoa de Maricá e no sistema lagunar Itaipu-Piratininga.
Iniciativa de restauração une saberes tradicionais e ciência
Grande parte do sucesso desse projeto de restauração florestal se deve à união da tecnologia social — conjuntos de técnicas e saberes locais — com o conhecimento técnico e científico. Por meio desse intercâmbio entre a ciência e as comunidades tradicionais, são resgatadas ou desenvolvidas, por exemplo, técnicas de manejo sustentável, como o Transplantio, que é o método utilizado para restaurar o ecossistema.
“Quando produzíamos mudas no viveiro, muitas eram perdidas. Então, por meio da expertise do pescador, nós começamos a transplantá-las. Passamos a tirá-las de baixo da planta mãe e as levá-las ao sol. Desta forma, ficamos dentro da margem de perdas, chegando a, no máximo, seis por cento”, conta o presidente da Cooperativa Manguezal Fluminense, Alaildo Malafaia.
"Tendo em vista os severos impactos ambientais causados aos manguezais nas últimas décadas, torna-se necessário adotar medidas de restauração florestal, desenvolvendo tecnologias sociais para o restabelecimento das suas funções ambientais. No Brasil, projetos de restauração florestal de manguezais ainda são pouco difundidos, além de possuírem escassa literatura técnico-científica", explica o engenheiro florestal da ONG Guardiões do Mar, Guilherme de Assis.
Além de ajudar a recuperar parte da floresta de mangues da Baía de Guanabara, a iniciativa atende a diversos critérios estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e se tornou uma parceira oficial no Brasil para a Década das Nações Unidas para Restauração de Ecossistemas (2021-2030). O movimento, liderado pelo Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO), é um apelo para a proteção e revitalização dos ecossistemas em todo o mundo. O reconhecimento passa não só por ações de restauração, mas por todo um planejamento estratégico em andamento. Serão promovidos coletivos de jovens, implementação de Turismo de Base Comunitária, a construção de fóruns de lideranças e o lançamento de um Programa de Educação Ambiental para combate ao Lixo no Mangue e no Mar.
“O sucesso da restauração florestal tende a ser resultado do monitoramento e da avaliação efetiva durante toda a sua execução, que é potencializado quando comunidades tradicionais, que possuem íntima relação com o ecossistema, atuam no projeto. Além disso, projetos de restauração florestal, onde há o envolvimento de comunidades tradicionais que vivem dos manguezais, podem ser uma estratégia para aumentar a renda de um grupo que se encontra, na maioria das vezes, em vulnerabilidade social”, acrescenta Guilherme.
“Já entendemos que os problemas advindos da degradação de ecossistemas têm potencializado o racismo ambiental e a exclusão. Ninguém melhor do que aqueles que se encontram em zonas de exclusão e sem acesso a direitos mínimos, como o saneamento básico e água de qualidade, para entender a emergência de conservarmos nossos bens naturais”, finaliza o presidente da ONG Guardiões do Mar, Pedro Belga.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.