Projeto UÇÁ monitora fauna em manguezal restaurado da APA de Guapi-MirimDivulgação

Magé - Apesar das agressões que vem sofrendo há anos, a Baía de Guanabara demonstra mais uma vez a sua capacidade de resiliência. Desde 2022, um grupo de pesquisadores do Projeto UÇÁ — desenvolvido pela ONG Guardiões do Mar, com o patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental — realiza o monitoramento de uma área restaurada de quase 10 hectares de manguezais na APA de Guapi-Mirim. Nos últimos meses, eles registraram a presença de diversas espécies de animais no local, como capivaras, tamanduás-mirins, quatis, figuinha-do-mangue — uma ave que se encontra em estado de atenção mundial, entre outras.

A floresta de mangue, que já pode ser visualizada no Google Earth, foi reestabelecida por meio da união entre uma comunidade tradicional de pescadores e catadores de caranguejos — representados pela Cooperativa Manguezal Fluminense e pela Associação dos Pescadores de Itambí (Acapesca) — e o corpo técnico de pesquisadores e ambientalistas da Guardiões do Mar.

Juntos, limparam décadas de acúmulo de lixo e plantas invasoras. Agora, os resultados desse recente inventário da fauna vêm tornando essa área um símbolo de renascimento da Baía de Guanabara.

O projeto de restauração está sendo desenvolvido na Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim, Unidade de Conservação gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que abrange os municípios de São Gonçalo, Itaboraí, Guapimirim e Magé. Apesar de ser o último reduto do ecossistema remanescente, abrigando a maior área contínua de manguezal preservada do estado do Rio de Janeiro, a APA possui trechos onde ocorreram intensos desmatamentos, em especial, até a década de 80.

O Projeto UÇÁ, que já atua há 12 anos na região, realiza as pesquisas de monitoramento. Por meio de imagens e visitas de campo, eles coletam dados sobre o crescimento das árvores, a diversidade de espécies, a presença de fauna e flora nativas, a qualidade do solo e da água, entre outros aspectos. O objetivo é contribuir para a preservação das unidades de conservação estudadas, além de desempenhar um papel fundamental na mitigação das mudanças climáticas, na proteção dos recursos hídricos e melhoria da qualidade do ar.

A biodiversidade é o indicador mais preciso da saúde de um ecossistema.
“A presença, nessa área restaurada, dos animais que participam do topo da cadeia alimentar, como a garça-azul, garça-grande-branca e até o mamífero mão-pelada, mostram equilíbrio e são um indicativo de um habitat saudável”, explica Marlon Modesto, do Projeto UÇÁ. Esses dados indicam que recuperar a Mata Atlântica, o mais destruído dos biomas brasileiros (restam menos de 13% da área original) e do qual os manguezais fazem parte, é possível mesmo em áreas densamente povoadas.

Com as ações de reflorestamento dos manguezais da área, houve a retirada de espécies vegetais oportunistas, como por exemplo a samambaia-do-brejo, e devido ao desenvolvimento das mudas plantadas, os animais característicos do ecossistema manguezal, incluindo o caranguejo-uçá puderam se beneficiar das mudanças no ambiente. Já foram registradas até o momento 47 espécies entre aves, mamíferos e crustáceos. O manguezal é fonte de alimento e renda para centenas de famílias (dali saem 2 milhões de caranguejos por ano) e move a economia das comunidades do entorno.

Outros estudos da equipe de pesquisa do Projeto UÇÁ em andamento são para avaliar a presença de microplásticos no trato digestivo do caranguejo-uçá (Ucides cordatus) e no sedimento de manguezais da Baía de Guanabara, entre outras realizadas na Lagoa de Maricá e no sistema lagunar Itaipu-Piratininga.

Iniciativa de restauração une saberes tradicionais e ciência

Grande parte do sucesso desse projeto de restauração florestal se deve à união da tecnologia social — conjuntos de técnicas e saberes locais — com o conhecimento técnico e científico. Por meio desse intercâmbio entre a ciência e as comunidades tradicionais, são resgatadas ou desenvolvidas, por exemplo, técnicas de manejo sustentável, como o Transplantio, que é o método utilizado para restaurar o ecossistema.

“Quando produzíamos mudas no viveiro, muitas eram perdidas. Então, por meio da expertise do pescador, nós começamos a transplantá-las. Passamos a tirá-las de baixo da planta mãe e as levá-las ao sol. Desta forma, ficamos dentro da margem de perdas, chegando a, no máximo, seis por cento”, conta o presidente da Cooperativa Manguezal Fluminense, Alaildo Malafaia.

"Tendo em vista os severos impactos ambientais causados aos manguezais nas últimas décadas, torna-se necessário adotar medidas de restauração florestal, desenvolvendo tecnologias sociais para o restabelecimento das suas funções ambientais. No Brasil, projetos de restauração florestal de manguezais ainda são pouco difundidos, além de possuírem escassa literatura técnico-científica", explica o engenheiro florestal da ONG Guardiões do Mar, Guilherme de Assis.

Além de ajudar a recuperar parte da floresta de mangues da Baía de Guanabara, a iniciativa atende a diversos critérios estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e se tornou uma parceira oficial no Brasil para a Década das Nações Unidas para Restauração de Ecossistemas (2021-2030). O movimento, liderado pelo Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO), é um apelo para a proteção e revitalização dos ecossistemas em todo o mundo. O reconhecimento passa não só por ações de restauração, mas por todo um planejamento estratégico em andamento. Serão promovidos coletivos de jovens, implementação de Turismo de Base Comunitária, a construção de fóruns de lideranças e o lançamento de um Programa de Educação Ambiental para combate ao Lixo no Mangue e no Mar.

“O sucesso da restauração florestal tende a ser resultado do monitoramento e da avaliação efetiva durante toda a sua execução, que é potencializado quando comunidades tradicionais, que possuem íntima relação com o ecossistema, atuam no projeto. Além disso, projetos de restauração florestal, onde há o envolvimento de comunidades tradicionais que vivem dos manguezais, podem ser uma estratégia para aumentar a renda de um grupo que se encontra, na maioria das vezes, em vulnerabilidade social”, acrescenta Guilherme.

“Já entendemos que os problemas advindos da degradação de ecossistemas têm potencializado o racismo ambiental e a exclusão. Ninguém melhor do que aqueles que se encontram em zonas de exclusão e sem acesso a direitos mínimos, como o saneamento básico e água de qualidade, para entender a emergência de conservarmos nossos bens naturais”, finaliza o presidente da ONG Guardiões do Mar, Pedro Belga.