Destruição causada por bombas e mísseis russos em MariupolALEXANDER NEMENOV / AFP

O presidente russo Vladimir Putin celebrou nesta quinta-feira (21) o "sucesso" de suas tropas ao tomar a cidade portuária de Mariupol, no sudeste da Ucrânia, e descartou um ataque final à zona industrial, onde os últimos resistentes estão entrincheirados.

Depois de suportar quase dois meses de cerco e bombardeios, as últimas tropas ucranianas estão escondidas na enorme usina metalúrgica de Azovstal nesta cidade do Mar de Azov, estratégica no plano de Moscou de unir os territórios pró-Rússia do Donbass e a península da Crimeia, já anexada em 2014.

Os ultimatos anunciados pela Rússia não provocaram a rendição dos soldados. Um de seus comandantes, Sviatoslav Palamar, do batalhão Azov, pediu "garantias" de segurança aos países ocidentais para deixar o local, onde, segundo Kiev, também estão quase 1.000 civis.

"Considero que o ataque proposto na zona industrial não é apropriado. Ordeno o cancelamento", disse Putin ao ministro da Defesa, Serguei Shoigu, em um encontro exibido na televisão.

"Precisamos pensar (...) na vida de nossos soldados e oficiais. Não há necessidade de entrar nestas catacumbas e rastejar no subsolo através das instalações industriais. Bloqueiem toda a área industrial para que nem mesmo uma mosca possa escapar", completou Putin.

Quase 2.000 militares ucranianos resistem no complexo industrial, de acordo com Shoigu, que não citou o número de civis.

Retiradas em Mariupol
Quase desde o início do conflito, em 24 de fevereiro, Mariupol se tornou um dos lugares prioritários da ofensiva russa. As autoridades locais temem o balanço de mais de 20.000 mortos na cidade, consequência dos bombardeios, mas também da falta de água, comida e energia elétrica.

O exército russo controla grande parte da cidade há vários dias e chegou a permitir a entrada de alguns jornalistas ocidentais, que observaram as ruas destruídas.

Durante o cerco, as retiradas de civis foram raras e perigosas. Apesar da tensão, a vice-primeira-ministra ucraniana Irina Vereshchuk afirmou que quatro ônibus com civis deixaram a cidade e outros devem fazer o mesmo durante o dia.

Os civis devem enfrentar uma viagem de 200 km até Zaporizhzhya, um trajeto marcado por vários pontos de controle em uma região afetada por combates.

Desde o final de março, quando a Rússia retirou suas tropas do norte e dos arredores de Kiev, o leste e o sul da Ucrânia se tornaram o principal cenário da guerra.

As forças russas "mantêm os disparos de artilharia em toda linha de frente", afirmaram as autoridades ucranianas na manhã de quinta-feira.

Os combates são particularmente violentos nas proximidades de Izium (nordeste), há "bombardeios incessantes" em Popasna e Rubizhne, na região de Lugansk (leste), e novos ataques em Mikholayv (sul), na estrada até Odessa, que deixaram um morto e dois feridos, afirmou o governador Vitali Kim.

"A situação fica mais complicada a cada hora", escreveu no Telegram o governador de Lugansk, Sergei Gaidai. "Salvem-se (...) Saiam", alertou.

1.020 corpos de civis
As autoridades locais pediram aos civis que abandonem a linha de frente, especialmente após as descobertas de dezenas de corpos em várias localidades perto de Kiev ocupadas até o fim de março pelos russos.

Desde então, os necrotérios de Kiev receberam "1.020 corpos de civis, apenas civis", declarou à AFP Olga Stefanishyna, vice-primeira-ministra ucraniana para a Integração Europeia e Euroatlântica, em Borodianka.

Nesta cidade a 54 km da capital, a polícia denunciou a descoberta de nove corpos civis enterrados em duas valas.

"Estas pessoas foram assassinadas pelos ocupantes (russos) e algumas vítimas mostram sinais de tortura", afirmou o chefe de polícia local, Andrii Nebytov.

Em Borodianka, como em Bucha, onde corpos foram encontrados nas ruas, alguns deles com as mãos amarradas às costas, Kiev denuncia "crimes de guerra" da Rússia, que rejeita a acusação.

Uma guerra longa 
A batalha pelo Donbass, a bacia de mineração do leste, onde Kiev luta contra os separatistas pró-Rússia desde 2014, e parte do sul do país deve ser longa.

A tomada de Mariupol e a criação de um corredor sob controle russo até a península da Crimeia pode permitir a Moscou reforçar suas posições na linha mais ao norte, perto de Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana.

Ao mesmo tempo, a resistência ucraniana promete ser intensa, especialmente com o aumento substancial da ajuda militar dos Estados Unidos e de vários aliados.

Após muita hesitação, Israel indicou na quarta-feira que concordou em enviar equipamentos de proteção para a Ucrânia pela primeira vez. E nesta quinta-feira, o governo alemão garantiu que Kiev receberá em breve "veículos de combate e blindados" de países do leste da Europa.

Em um alerta à comunidade internacional, a Rússia testou na quarta-feira um míssil balístico e afirmou que era para "os que pretendem ameaçar nosso país que pensem duas vezes".

Nesta quinta-feira, o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez e a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen visitaram Kiev.

"Comovido ao testemunhar nas ruas de Borodianka o horror e as atrocidades da guerra de Putin", escreveu no Twitter o chefe de Governo da Espanha. "Não deixaremos o povo ucraniano sozinho", completou.

Alguns diplomatas ocidentais temem, no entanto, que uma guerra longa prejudique a unidade de ação nas medidas contra a Rússia.

Se a guerra ficar concentrada no Donbass, longe de Kiev e das fronteiras da OTAN, o senso de urgência e unidade do Ocidente pode diminuir com o tempo. "É um desafio", disse um diplomata à AFP.

O papa Francisco se uniu ao apelo do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, para uma trégua na Ucrânia em 24 de abril, data da Páscoa entre os ortodoxos, anunciou o Vaticano.