Mais de 15 milhões de chilenos vão às urnas neste domingo, 4, para decidir em um plebiscito mudanças na Constituição do paísAFP
Debate sobre plurinacionalidade indígena em nova Constituição divide opiniões no Chile
Cerca de 12,8% dos 20 milhões de chilenos se identificam como indígenas
Santiago - A nova Constituição que será submetida a plebiscito neste domingo no Chile converte o país em um Estado plurinacional que outorga autonomia política e financeira aos indígenas e lhes permite serem regidos por sua própria Justiça.
A proposta provocou uma forte oposição na dividida sociedade Chilena, tanto da direita conservadora que defende a situação atual como dos indígenas mais radicais, que querem uma nação própria e independente. Cerca de 12,8% dos 20 milhões de chilenos se identificam como indígenas.
"O Chile é um Estado social e democrático de direito. É plurinacional, intercultural, regional e ecológico", afirma o novo texto escrito por uma Assembleia Constituinte que incluiu vários integrantes indígenas.
No entanto, não permite a secessão nem atentar contra o caráter "único e indivisível" do Estado do Chile.
Diferentemente da Constituição vigente desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), o novo texto reconhece onze povos originários: mapuche, aymara, rapanui, lickanantay, quechua, colla, diaguita, chango, kawésqar, yagán e selk'nam.
Mais de 15 milhões de chilenos foram convocados às urnas neste domingo para decidir em um plebiscito se "aprovam" ou "rejeitam" este novo texto, que consagra também um novo catálogo de direitos sociais e um novo sistema político. A opção pela "rejeição" lidera todas as pesquisas, com cerca de 56%.
Os detratores sustentam que outorgar tal autonomia aos indígenas e permitir a eles que sejam normatizados por uma Justiça especial os tornará cidadãos "privilegiados". Já aqueles que apoiam a plurinacionalidade acreditam que a mudança paga um dívida antiga.
"Estou de acordo com a pluriculturalidade, claro que sim (...) Mas que não nos dividam em nações diferentes, leis diferentes, que não são iguais para todos, isso me parece uma aberração", disse à AFP Isabel Rodriguez, uma analista de contas de 42 anos que se define como "classe média".
Os indígenas mais radicais também não acreditam que a plurinacionalidade seja a resposta às históricas reivindicações de terras que consideram suas.
"Nós queremos nos reconstruir como nação mapuche", disse à AFP o líder da comunidade rural de Temucuicui, Víctor Queipul, principal voz de uma das regiões mais combativas do sul chileno.
Não é possível entrar em Temucuicui sem autorização dos indígenas. A ministra do Interior, Izkia Siches, viajava para a região dois dias depois da posse do presidente de esquerda Gabriel Boric em março, quando sua comitiva foi ameaçada com tiros para cima.
No entanto, outros indígenas como Julio Hotus, membro do Conselho de Idosos da Ilha de Páscoa, um território insular chileno de origem polinésia no meio do Pacífico, apoiam a nova Constituição.
Hotus disse estar "muito esperançoso" de que o texto represente "uma nova vida para o país". "Para nós, os rapanui, é a oportunidade do século", afirmou.
Hilary Hinen, da escola de História da Universidade Diego Portales, garantiu que a proposta constitucional é um "grande avanço na relação entre o Estado e os povos originários do Chile".
"É sem dúvida muito importante dentro desse processo (de diálogo); oferece ferramentas que atualmente não temos e sem dúvida a plurinacionalidade seria um grande suporte para encontrar caminhos políticos" para enfrentar o atual conflito, que é político, afirmou.
Víctor Queipul, o chefe mapuche, falou com a AFP em junho, em um território "recuperado" perto de Collipulli, em Temuco, a cerca de 800 km ao sul de Santiago, após assistir a uma reunião tribal com jogos e rituais para fortalecer sua espiritualidade e planejar as estratégias de combate.
Mediante ataques incendiários, sabotagens a empresas florestais e ocupações pacíficas, comunidades mapuche conseguiram "recuperar" algumas regiões das terras que consideram suas e onde hoje habitam respeitando suas tradições ancestrais.
"Para eles o caminho não seria um novo pacto democrático, mas uma ruptura com o Estado", explicou à AFP o advogado e acadêmico mapuche Salvador Millaleo.
O acadêmico considerou a medida "um erro histórico", já que em sua maioria o povo mapuche apoia "uma solução pacífica".
Nas últimas semanas, a Coordenadora Arauco Malleco (CAM, mapuche) e outros grupos indígenas radicais intensificaram os ataques incendiários, obrigando o governo de Boric a militarizar a região de La Araucanía, ainda que havia prometido não fazê-lo em sua campanha eleitoral.
"Há um uso excessivo da violência por parte do Estado ao qual um setor do movimento mapuche respondeu através da autodefesa, mas esta autodefesa é responsável e proporcional ao que o Estado chileno fez", estimou o historiador mapuche Fernando Pairican.
Os mapuches vivem atualmente em apenas 5% do que foi seu antigo território no sul do Chile, que caiu nas mãos de empresas florestais e de agricultores. Sua taxa de pobreza é o dobro da do resto da população chilena.