'Não há escola, não há trabalho, deveríamos pelo menos ter um lugar para nos divertirmos', comenta uma mulherHoshang Hashimi/AFP

O Talibã proibiu as mulheres afegãs, nesta quinta-feira, 10, de entrar em parques e jardins de Cabul. Os espaços eram uns dos últimos de liberdade que elas tinham diante das severas restrições impostas pelo regime fundamentalista islâmico.
No início da semana, os talibãs pediram aos administradores dos parques e jardins que fechassem as portas às mulheres, conforme apuraram jornalistas da AFP. Até então haviam sido estabelecidos dias e horários diferentes para que homens e mulheres não se encontrassem.
"Em muitos lugares, as regras foram violadas", declarou Mohammad Akif Sadeq Mohajir na quarta-feira, 9. Ele é porta-voz do Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício.
"Havia mistura e o hijab (o véu que cobre a cabeça e o pescoço) não estava sendo respeitado. Por isso esta decisão foi tomada", acrescentou.
O que dizem as mulheres
Sentada em um restaurante em Cabul com vista para um parque da cidade, Wahida observa seus filhos brincarem através do vidro, mas não pode se juntar a eles. "Não há escola, não há trabalho, deveríamos pelo menos ter um lugar para nos divertirmos", comentou a mãe, chateada depois que teve a entrada no parque negada.
Os talibãs adotaram uma interpretação fundamentalista do Islã, desde seu retorno ao poder em agosto de 2021, após 20 anos de guerra e a retirada das tropas americanas.
 
As autoridades não param de cercear as liberdades das mulheres: são obrigadas a usar um véu integral, não podem frequentar o Ensino Médio e são proibidas de viajar sozinhas para fora de sua localidade.
"Precisamos de um lugar para nos divertir, nossa saúde mental está em jogo. Já estamos fartos de ficar em casa o dia todo, estamos cansadas de tudo isso", se desespera Wahida, sem emprego, como o marido.
Na mesa ao lado, Raihana, de 21 anos, compartilha a mesma tristeza. "Estávamos muito empolgadas com a ideia de vir ao parque. Estamos cansadas de ficar em casa", conta a jovem tomando um sorvete com as irmãs.
Estudante de Direito Islâmico, Raihana está confusa com essa nova medida. "Obviamente o Islã permite que você saia e visite parques", diz.
Outros relatos
A vários quilômetros de distância, na parte alta de Cabul, a roda-gigante do parque mais importante do Afeganistão está parada. Também os balanços, vagões e outras atrações de lazer do complexo. Apenas alguns homens caminham pelas ruas silenciosas do Parque Zazai, criado há mais de seis anos. Antes das restrições do Talibã, podia receber até 15.000 visitantes por dia nos fins de semana.
O seu co-administrador não compreende esta decisão. Ela o condena a encerrar o negócio em que investiu 11 milhões de dólares e emprega cerca de 250 pessoas.
"Sem mulheres, as crianças não virão sozinhas", diz Habib Jan Zazai. "Gostaria que o Talibã apresentasse razões convincentes".
"No Islã você pode ser feliz. O Islã não permite que as pessoas sejam presas em casa", insiste o homem, que tem por volta de 30 anos. "Com essas decisões, vão desencorajar os investidores. E sem empresários que paguem impostos, como vão governar?".
Mohammad Tamim, de 20 anos, professor de uma escola religiosa na cidade de Kandahar, reduto do Talibã, condena "essa má notícia".
"Todo ser humano precisa psicologicamente se divertir, estudar... Os muçulmanos precisam se divertir principalmente depois de 20 anos de guerra", defende enquanto toma chá com amigos no parque.