Pelo alcance territorial, manifestações parecem ser as mais importantes desde as mobilizações pró-democracia de 1989Hector Retamal/AFP

Pequim - Com as ruas tomadas por policiais e informações sob censura na internet, as autoridades chinesas tentaram conter nesta segunda-feira, 28, uma onda histórica de protestos. A população exige o fim das restrições provocadas pela pandemia de covid-19 e mais liberdades políticas.
Neste domingo, 27, milhares de pessoas, que responderam às convocações divulgadas nas redes sociais, saíram às ruas em cidades como Pequim, Xangai e Wuhan. Os manifestantes gritaram frases como "Xi Jinping, renúncia!", "PCC (Partido Comunista Chinês) renúncia" e "Não aos confinamentos, queremos liberdade".
Pelo alcance territorial, a onda de manifestações parece a mais importante desde as mobilizações pró-democracia de 1989. O descontentamento social cresceu nos últimos meses na China, um dos poucos países que continua aplicando uma política rígida contra a covid-19, denominada "covid zero", que inclui confinamentos em larga escala e exames PCR quase diários.
A revolta da população aumentou após um incêndio que deixou 10 mortos em Urumqi, capital da província de Xinjiang (noroeste). Muitos consideram que os trabalhos de resgate foram prejudicados pelas restrições impostas contra a covid-19.
Após a tragédia em Urumqi, cidade de 4 milhões de habitantes, as autoridades flexibilizaram as restrições na região: a partir de terça-feira será possível utilizar os ônibus para fazer compras e os estabelecimentos comerciais em áreas de "baixo risco" poderão retomar parcialmente as atividades.
O Ministério das Relações Exteriores chinês acusou "forças mobilizadas por motivos ocultos" de terem vinculado o incêndio à "resposta local contra a covid-19". "Sob a direção do Partido Comunista da China e com o apoio do povo chinês, nosso combate contra a covid-19 será um sucesso", afirmou o porta-voz da diplomacia, Zhao Lijian, ao comentar a mobilização do fim de semana.
Nesta manhã, a polícia estava mobilizada em vários pontos de Pequim e Xangai, perto dos locais em que foram organizados os protestos de domingo. Em Xangai, duas pessoas foram detidas perto da rua Urumqi, cenário de uma manifestação na véspera. Uma delas "desobedeceu as ordens da polícia", disse um agente.
As equipes das forças de segurança também dispersaram as pessoas no local e obrigaram os manifestantes a apagar as fotografias em seus smartphones, segundo um correspondente da AFP. Questionada, a polícia de Xangai não revelou quantas detenções foram efetuadas no fim de semana.
Ainda em Xangai, um jornalista da BBC, Ed Lawrence, foi detido e "agredido pela polícia", segundo a emissora britânica. O ministro britânico para as Empresas, Grant Shapps, considerou "inaceitável e preocupante".
No domingo foram registrados distúrbios violentos entre as forças de segurança e manifestantes em Xangai. Algumas pessoas exibiam folhas em branco, um gesto para denunciar a censura, e várias foram detidas. Em Pequim, viaturas da polícia foram enviadas para as proximidades do rio Liangma, onde mais de 400 jovens protestaram no domingo aos gritos de "Todos somos moradores de Xinjiang".
"A manifestação foi algo bom", declarou uma mulher de 20 anos, que pediu anonimato. "Enviou uma mensagem de que as pessoas estão cansadas das restrições excessivas. Acredito que o governo entendeu e vai aliviar suas políticas para seguir adiante", acrescentou. Para ela, "a censura não conseguiu acompanhar o ritmo" dos protestos.
No entanto, qualquer informação sobre as manifestações parece ter sido eliminada de todas as redes sociais chinesas. Na plataforma Weibo, uma espécie de Twitter chinês, as buscas por "Rio Liangma" e "rua Urumqi" não apresentavam nenhum resultado relacionado com a mobilização.
É difícil determinar o número total de manifestantes, devido ao controle rigoroso exercido pelas autoridades chinesas sobre as informações e devido às restrições impostas às viagens dentro do país devido à pandemia. Além de Pequim e Xangai, também foram convocados protestos em Guangzhou, Chengdu, Hong Kong e Wuhan, a cidade do centro do país onde foi registrado o primeiro caso de covid-19 há quase três anos.
O jornal estatal Diário do Povo publicou nesta segunda-feira um texto que faz um alerta para a "paralisia" e "esgotamento" com a estratégia "covid zero", mas sem pedir o fim da mesma.
"As pessoas chegaram a um ponto de ebulição porque não há uma direção clara para acabar com a política de covid zero", declarou Alfred Wu Muluan, especialista em política chinesa da Universidade Nacional de Singapura. "O partido subestimou a irritação popular", concluiu.