Presidente da Venezuela, Nicolás MaduroFabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Perto de completar dez anos no poder, o presidente Nicolás Maduro lançou nesta semana uma operação dentro do governo da Venezuela para afastar suspeitos de um desvio de US$ 21,2 bilhões (R$ 112 bilhões) de corrupção na PDVSA, a estatal do petróleo.
Ao menos 19 pessoas foram presas, entre militares, juízes e membros da elite da burocracia chavista. O ministro da Energia, Tareck Aissami, renunciou ao cargo. Segundo especialistas, a operação expõe uma cisão no chavismo, com duas facções lutando pelo poder.

De um lado, estariam os "reformistas", que defendem uma liberalização da economia e regras mais flexíveis no mercado cambial. O principal expoente desse grupo é Delcy Rodríguez, vice-presidente e ministra da Economia.
Ela é apontada como a responsável pelas políticas que reduziram os gastos, controlaram a hiperinflação e permitiram a livre circulação de dólares. Com isso, a Venezuela saiu de um dos mais profundos colapsos da história mundial e voltou a registrar níveis modestos de crescimento.

Chavistas
Do outro estaria a linha-dura. Incrustados no Estado venezuelano, chavistas radicais manipulam verbas, empresas e contratos milionários em diversos setores da economia há anos, e consideram essas flexibilizações uma traição ao legado de Hugo Chávez, morto em 2013. Um dos representantes desse grupo é Aissami, um aliado de longa data do líder bolivariano. Sob Maduro, ele ganhou protagonismo e se tornou gestor do petróleo venezuelano, a galinha dos ovos de ouro do país.

"A renúncia de Aissami é a ultima e maior evidência dessa disputa interna de poder no chavismo", diz Geoff Ramsey, especialista em Colômbia e Venezuela do Atlantic Council. "Ele é o responsável pela estratégia de evasão das sanções americanas. É alguém que tem muitos esqueletos no armário. Se ele for preso, isso pode ter consequências sérias para a estrutura de poder na Venezuela."

Acusado de narcotráfico pelos EUA, que ofereceram US$ 10 milhões por sua captura, Aissami ganhou o favoritismo de Maduro após o governo Donald Trump impor pesadas sanções econômicas à venda do petróleo venezuelano, para pressionar pelo fim do regime.

Diante das sanções, a PDVSA, comandada pelo ministro de Energia, teve de buscar intermediários em outros países não só para exportar esse petróleo como para comprar bens e alimentos que se tornaram escassos pela ausência de dólares. De origem síria, Aissami intermediou contatos no Irã e na Turquia.

Foram esses contratos que entraram na mira de Delcy Rodríguez. Segundo a Bloomberg, uma auditoria interna descobriu um rombo financeiro na estatal petrolífera de US$ 21,2 bilhões. Os pagamentos desaparecidos datam, na maioria, do período entre 2020 e 2022, quando a Venezuela buscou novos intermediários para ajudar a contornar as sanções dos EUA e vender seu petróleo

Em janeiro, a ministra nomeou um tecnocrata do setor petroquímico, Pedro Tellechea, como diretor da PDVSA. Ele suspendeu contratos existentes e, segundo a Bloomberg, Rodríguez se tornou a responsável pela aprovação de todos os novos empreendimentos da estatal. Esse controle sobre as finanças da PDVSA provocou tensão entre Aissami e Rodríguez, que abriu a investigação sobre acusações de corrupção dentro da PDVSA. O ministro da Energia, então, decidiu renunciar.

Posição
A grande dúvida é de qual lado está Maduro. Na noite da renúncia de Aissami, o presidente elogiou o colega como um "verdadeiro revolucionário". Mas, nos dias seguintes o autocrata deu sinais de apoio à facção de Rodríguez.

"A corrupção na PDVSA atinge 1/3 da venda do petróleo, mas as investigações são seletivas e servem para expurgar rivais políticos", disse Francisco Monaldi, da Universidade de Rice, ao Financial Times.

Eleições
Outro fator que pode ter motivado a rinha chavista é a proximidade das eleições do ano que vem. "As eleições de 2024 significam que Maduro precisa de dinheiro para preparar a economia e garantir votos", escreveu Nicholas Watson, analista de risco político da consultoria Teneo Holdings.

A redução da oferta de energia provocada pela guerra na Ucrânia fez com que EUA e União Europeia voltassem a procurar os chavistas para negócios. No ano passado, a Chevron voltou a operar na Venezuela e o regime libertou americanos que estavam presos havia anos no país.

A Casa Branca quer sinais concretos de que eleições justas com a participação da oposição ocorrerão no ano que vem e as recentes mudanças políticas em vizinhos sul-americanos também indicam que Maduro pode sair do isolamento.

"Os chavistas sempre se uniram, mesmo diante de rivalidades terríveis, mas isso claramente mudou", pondera José Toro Hardy, especialista venezuelano em petróleo. "A oposição deve aproveitar isso e olhar a briga se desenrolar de longe."