Desenho de Dominique Pélicot feito durante julgamentoBenoit PEYRUCQ / AFP

Para os netos, um avô superlegal. Para a ex-esposa, um abusador. Dominique Pelicot está em seu sexto dia de julgamento nesta segunda (9), após ter confessado drogar sua esposa para que desconhecidos contatados pela internet a estuprassem. Psiquiatras e psicólogos descreveram o francês como um homem consumido por "fantasias obsessivas", próximo à necrofilia, e com ausência total de empatia.
Perante o tribunal de Avignon, no sul da França, os especialistas investigaram o perfil deste homem de 71 anos, que é julgado juntamente a outros 50 homens por estupro com agravantes, que pode levar a até 20 anos de prisão.

Um primeiro psicólogo começou a delinear na sexta-feira as "duas caras" deste "manipulador perverso". "De dia, pode ser coerente, e à noite, parecer diferente", declarou o especialista Bruno Daunizeau. Por um lado, é descrito como um "marido, pai e avô honrado, e um amigo querido", mas, paralelamente, como alguém "muito manipulador, que mente muito", acrescentou nesta segunda-feira o psiquiatra Paul Bensussan.

"Sua personalidade tem duas caras: por um lado, é um patriarca em quem as pessoas próximas podem confiar" e, por outro, "ele usa mentiras e sigilo", declarou a psicóloga Marianne Douteau, que o descreve como "raivoso".
Estas características seriam semelhantes às de seu pai, a quem ele odiava, segundo Douteau. Seus pais administravam um hotel-restaurante e ele trabalhou na indústria nuclear antes de entrar no mercado imobiliário, com pouco sucesso.

"A sexualidade do senhor Pelicot parece calcada em sua personalidade: comum em público, mas para sua parceira ele tem uma sexualidade tenaz", explicou Douteau.
A psicóloga citou como exemplo a troca de casais que sua esposa e principal vítima, Gisèle Pelicot, rejeitou categoricamente e que o acusado compensava "utilizando sites de chat pornográficos".

O acusado tem "fantasias obsessivas", segundo Bensussan. Por um lado, descreve suas relações com a esposa como "dentro da normalidade", mas, por outro, gosta de voyeurismo e exibicionismo, explicou.

"O voyeurismo faz parte da sua dinâmica psicossexual", confirmou a psicóloga Annabelle Montagne, ressaltando o seu "egocentrismo" e sua "propensão a considerar os outros como objetos manipuláveis".
Ele drogava Gisèle Pelicot, de quem se divorciou em agosto, com substâncias para dormir, para que dezenas de desconhecidos a estuprassem entre 2011 e 2020, primeiro na região de Paris e depois em Mazan, no sul de França.

"O fato de a pessoa ser totalmente passiva pode apontar para fantasias de necrofilia", disse Montagne, para quem o estupro que Dominique Pelicot afirma ter sofrido aos nove anos por um enfermeiro pode ter afetado sua psique.
"Pessoas comuns"
Até ter sido preso em 2020, o acusado ajudava os netos, que o adoravam, com seus deveres de casa e os acompanhava em atividades esportivas. Ele também andava de bicicleta com os vizinhos no icônico Mont Ventoux, perto de sua casa em Mazan.

"Sua aposentadoria e a mudança do casal [para Mazan] podem ter enfraquecido as barreiras defensivas de sua psique", declarou Montagne. Mas para Bensussan, Dominique Pelicot não sofre de "nenhuma patologia ou anomalia mental".
"Pessoas comuns geralmente realizam atos extraordinários", resumiu outro psiquiatra, Laurent Layet, ressaltando que "a maioria das loucuras não é cometida por pessoas loucas".

Depois do depoimento da ex-mulher e da filha na semana passada, o primeiro interrogatório do acusado deverá ocorrer na tarde de terça-feira.

Ele se ausentou da audiência desta segunda devido a dores intestinais e parecia muito fraco quando entrou no banco dos réus, apoiado em uma bengala, observou um jornalista da AFP presente na sala.
Nesta segunda-feira, seus advogados anunciaram à imprensa que vão apresentar queixa por ameaças após os dados pessoais dos 51 acusados terem sido divulgados nas redes sociais.