Sindicato era um tema que parecia démodé. Era assim até a tarde de quarta-feira, 19 de setembro, quando o assunto retornou ao noticiário internacional empoderado pela improvável parceria entre o presidente brasileiro e o norte-americano. Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden firmaram o inédito pacto Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras. “Precisamos empoderar os trabalhadores. Disso se trata essa nossa parceria. Essa ideia foi desse senhor aqui”, disse Biden, em referência a Lula.
“Nunca tinha visto um presidente americano falar tanto e tão bem dos trabalhadores”, elogiou Lula, após assinar o tratado. Trata-se de um acordo bilateral que promete melhorar as condições de trabalho diante das transformações impostas pelas plataformas digitais, pela inteligência artificial e pelas novas tecnologias.
No momento, os Estados Unidos atravessam a primeira greve simultânea de sua história. Trabalhadores das três maiores montadoras do país – General Motors, Ford e Stellantis – cruzaram os braços por melhores salários e por garantias de que não perderão os empregos com a ampliação da produção de carros elétricos. Pesquisas mostram que a nova tecnologia pode descartar mais de 30% da mão de obra da indústria tradicional.
Para defender os empregos, os sindicalistas americanos foram além das táticas clássicas. A greve é liderada por Shawn Fain, um sindicalista que defende o uso incansável das redes sociais. É uma estratégia multifacetada, que, aliás, os professores da UFRJ usam e abusam desde 2015 no sindicato da universidade. O encontro nos Estados Unidos recoloca o mundo do trabalho no centro da discussão internacional e nos obriga a pensar os sindicatos não só como espaços de luta trabalhista, mas também como lócus de acolhimento e de defesa da democracia. “Não existe democracia forte sem sindicato forte”, sentenciou Lula, ex-metalúrgico que liderou greves nos anos 1980.
Além do encontro com Biden, Lula fez um discurso na ONU emblemático e centrado numa frase: “O Brasil está de volta”. Nessa afirmação, o presidente se refere não apenas à sua trajetória como personalidade internacional, mas à própria vocação do país e de sua diplomacia, que remonta ao período de configuração das instituições internacionais no pós-guerra. Foi nesse contexto que descobrimos nosso potencial para o soft power – aquele poder que não advém das armas ou do dinheiro, mas do prestígio entre os pares. É a partir desse lugar de fala que Lula se empodera para defender um sistema multilateral que desafie as desigualdades econômicas, sociais e climáticas.
É também desse lugar que vem a legitimidade de Lula para pleitear um espaço à mesa com Joe Biden para discutir questões do mundo do trabalho. Seu passado como líder sindical lhe dá esta autoridade, mas, sobretudo, sua condição de representante de um conjunto de países caracterizados pela superexploração do trabalho.
“A pobreza e a desigualdade não interessam a ninguém. E eu acho que o que estamos fazendo aqui, em pleno coração dos Estados Unidos, é tentando despertar a expectativa de uma esperança. Eu vivi 27 anos em uma fábrica. Eu vivi o desemprego, eu vivi o mundo das greves. Os trabalhadores é que vão impulsionar a transição para a energia verde, que vão tornar segura a cadeia de valor”, disse Lula. E assim, lá e cá, no centro e na periferia do mundo, começa a ecoar um grito que, nós, na universidade, conhecemos bem: “Sindicato presente!”.
* Mayra Goulart é cientista política e presidenta eleita do Sindicato dos Professores da UFRJ
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