Miguel Fernández y Fernández, engenheiro, conselheiro da ABES-RJ (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, seção RJ), Diretor Regional (RJ) do Instituto de Engenharia, membro da Academia Nacional de EngenhariaDivulgação

Os serviços de água e esgotos precisam e podem ser autossustentáveis, até para não sobrecarregar o setor de saúde, pois são medicina preventiva.
A tarifa deve cobrir os custos de investimento, de operação, de manutenção, de treinamentos, das expansões, da gestão, do tempo e do risco inerente a qualquer atividade.
Saneamento é um monopólio natural e um mercado de baixa elasticidade ao preço cobrado. Os "consumidores" não conseguem alterar muito sua necessidade diária de água, de forma sustentável.
Sendo um monopólio, a presença do Estado, de forma permanente, regulando e fiscalizando, é tida como axioma. Entretanto, a prestação do serviço pelo próprio Estado, quer ao longo do tempo, quer em muitos locais, tem se mostrado ineficiente e insuficiente, para atingir níveis de atendimento sequer razoáveis, muito longe de alcançar a tão necessária e almejada universalização dos serviços de saneamento. Esse fracasso deve-se, certamente, a que, nesses casos, quem fiscaliza o Estado?
Neste artigo, pretende-se lembrar a história da estrutura tarifária vigente, que se baseia em tarifas progressivas, uma espécie de "degraus crescentes" para subsídios cruzados internos. Este modelo vem sendo sistemática e misteriosamente assumido como formato absoluto de cobrança no setor.
A criação desse modelo tarifário, vigente aqui no Brasil, deu-se por volta de 1973, no governo Médici, com Delfim Neto ministro, resolvendo "conter" a inflação, congelando os preços dos "serviços públicos", no Rio entre eles, os serviços de saneamento. Na época, a inflação brasileira era medida no município do Rio, mas valendo para todo o país.
As então CEDAG e ESAG (Cia. Águas e Esgoto da Guanabara), ambas com grandes dívidas junto aos "bancos" Mundial (BM) e Interamericano (BID), oriundas do sistema Guandú e do Interceptor e Emissário Oceânico, reagiram à situação criando uma "tarifa básica", congelada, conforme queria Brasília, mas acrescentando os "degraus crescentes" para reequilibrar financeiramente a arrecadação, gerando uma espécie de subsídio cruzado interno.
À época, para justificar, argumentou-se que seria uma forma de redistribuição de renda, pois quem consumia mais água seriam os mais ricos. Uma fake news que permanece até hoje. Os censos indicam, em geral, que os domicílios mais pobres são mais adensados e costumam ter mais residentes. Ou seja, através da repressão econômica se reduziria o consumo, levando a população a tomar menos banhos, ir menos ao banheiro, beber menos água, etc. É até cruel de tão injusto com os menos favorecidos!
Mas foi uma agradável surpresa para os financiadores. Esse novo modelo tarifário, na prática, tornou difícil visualizar os aumentos e aumentou muito a arrecadação. Assim, os bancos passaram a receber, com folga, seus empréstimos e a apoiar essa estrutura de forma entusiasmada, difundindo-a pelo mundo.
De início, os "degraus" eram mais tímidos. Hoje não. O mesmo metro cúbico (m3) de água cobrado no Rio varia mais de sete vezes, dependendo do destinatário! Como o m3 de esgoto acompanha o da água, o problema é sublimado. Por exemplo, em agosto de 2023, um consumo de 30m3/mês (4 pessoas/casa a 250 litros por habitante por dia) acarreta uma conta de ± R$ 540,00. Já para 6 pessoas (45m3/mês), seria R$ 1.040,00. Um aumento de 50% no consumo (de 4 para 6 pessoas) representa quase 100% de aumento na conta e no valor do mesmo m3, no mesmo lugar, o que não parece razoável a ninguém. Na SABESP, na COPASA-MG, em todos os estados e muitos países, é praticamente igual.
Hoje, as tarifas são difíceis de entender, de gerir e de auditar. Como não há leis a serem seguidas (nem no sentido legal, nem no científico), cada local acaba fazendo da forma que acha que lhe convém. Se fosse para fazer "justiça social" através da cobrança de água e esgoto (saneamento), melhor seria cobrar uma "demanda instalada", incorporando aos pagantes a especulação imobiliária, ou seja, os terrenos e casas vazias (desde que haja tubulação disponível em frente). Ou levar em conta coisas hoje ignoradas que colaborassem para a economicidade do sistema, como distância de transporte (a proximidade do manancial), etc.
Já está em tempo de dizer que essas injustiças acarretam ambiente hostil às operadoras / concessionárias (sejam estatais ou sejam privadas), criando situações que provocam gastos desnecessários que retroalimentam custos e demandas por aumentos de tarifa.
As necessidades sociais não devem e não podem ser ignoradas. Registre-se que existe uma chamada "tarifa social", com valor de cerca de R$ 50,00 / mês, desde que gaste menos do que 15m3/mês (é o que se subentende de uma explicação confusa disponibilizada nos sites das concessionárias), subsidiada pelas tarifas normais. A quem é atribuída a tarifa social? Por quem? O autor deste artigo entende que o subsídio àqueles que não podem pagar deve ser tratado com programas tipo "vale água", mesmo que subsídio interno ou vinculado a outra infraestrutura.
Entende também que a transição da estrutura atual para uma mais racional precisa ser estudada e aplicada cautelosa e gradativamente para não acontecerem desequilíbrios financeiros, nem ficar à mercê de sabotagens por eventuais interesses contrariados.
Miguel Fernández y Fernández, engenheiro, conselheiro da ABES-RJ (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, seção RJ), diretor regional (RJ) do Instituto de Engenharia, membro da Academia Nacional de Engenharia