Raul Velloso analisa situaçãoReprodução

Em minha coluna de duas semanas atrás, disse ter estranhado, como muitos, a reação inesperada de Lula da Silva ao convocar a mídia - sem a participação do ministro da área econômica - para dizer aos jornalistas que, se tivesse de cortar investimento público para tanto, desistiria de cumprir a meta definida pelo ministro Haddad de zerar o déficit fiscal primário em 2024, antes anunciada. Ou seja, Lula avisou que investiria parte do dinheiro que estava previsto para ser economizado. A partir dali o cerco em torno da reação ministerial que poderia vir (pedido de demissão do ministro?) ficou bastante intenso, pois afinal de contas, na visão de muitos, zerar o déficit é algo necessário para tranquilizar os mercados financeiros. Dúvida: Lula teria combinado algo com o ministro antes de falar aquela frase? Ou saiu a despeito dele?

O fato é que, em que pese os contras, Lula sabe que investir é preciso para fazer a economia crescer. Mas como venho destacando há algum tempo em minhas aparições na mídia, devo dizer que, a meu ver, o "x" dessa questão é algo bem mais complicado. Temos de dar um passo atrás e buscar o centro nervoso do problema. Na raiz de tudo, na verdade, está a explosão dos déficits previdenciários públicos que, sem esforço específico de ajuste, vem se dando com a passagem do tempo, por dois motivos básicos: um é que as mulheres estão tendo menos filhos (ou seja, menos gente está entrando no mercado de trabalho e, portanto, estão se gerando menores contribuições) e o outro é que as pessoas estão vivendo mais (ou seja, estão por muito mais tempo recebendo benefícios).

Outro ponto que devemos ter em mente é que, além de se tratarem de compromissos financeiros praticamente impossíveis de qualquer governo tentar não quitar, por outro lado tais déficits terão de ser pagos com o mesmo orçamento que cobre itens tão prioritários como os investimentos em infraestrutura que Lula quer preservar para o PIB crescer mais, ou para o pagamento de parte do serviço da dívida (o que ocorre quando se fazem superávits e se recebem aplausos dos mercados financeiros), itens esses que acabam sendo sacrificados se não houver dinheiro guardado em valor suficiente para fazer face aos benefícios implícitos no regime previdenciário em causa.

Já a principal saída que existe para os governos se safarem desse brutal dilema, que a maioria dos políticos resiste a aceitar aplicá-la, por temor de desgaste junto às partes envolvidas, é "equacionar" ou zerar antecipadamente esses déficits, ou seja, capitalizar a previdência ou zerá-los guardando o quanto antes dinheiro para isso, ou via uma solução gradual, fazendo aquilo para uma parte dos servidores e deixando para "arrumar" a parte restante ao longo do tempo, que é o mais comum de acontecer. Só que aí poderá haver um conflito com os outros usos do dinheiro público, a menos de soluções não convencionais como reformas de regras, aportes de ativos eventualmente existentes à previdência e outras do tipo, cuja mobilização precisa ser tentada pelos dirigentes públicos. (Como se pode ver, o tema é muito complexo, e por isso espero detalhar mais esse último ponto em minha próxima coluna daqui a 15 dias).


Raul Velloso
Consultor econômico