Bruno Garcia Redondo é mestre em Direito, professor da PUC-Rio e da UFRJ e procurador da UerjDivulgação

Questão crônica de saúde pública, o consumo de drogas ganhou novo destaque recentemente, quando o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, defendeu a internação compulsória de moradores de rua usuários de drogas, enquanto a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal criticaram, por meio de nota técnica, o recolhimento forçado da população de rua para comunidades terapêuticas.
Que as drogas são nocivas, destroem famílias, prejudicam a saúde e matam, todos concordam. Também sabemos que os usuários têm dificuldade de largar o vício voluntariamente. O grande dilema é: a boa intenção, buscando a saúde e o bem-estar do usuário e da comunidade ao redor, é suficiente para justificar a internação contra a vontade de alguém?
O caso debatido não é sobre o usuário que comete crime que enseja prisão em flagrante, nem sobre o surto psiquiátrico, que é submetido a tratamento ambulatorial em unidade de saúde ou internação psiquiátrica. A questão é a internação compulsória para, exclusivamente, tratamento de saúde.
Teses favoráveis à internação compulsória envolvem os deveres do Poder Público de promover a saúde, assegurar a assistência social e manter o ordenamento urbano. Há, ainda, fundamentos éticos, como altruísmo e solidariedade, e de ordem espiritual/religiosa, como o amor ao próximo.
Em sentido contrário, há o direito fundamental de liberdade e autodeterminação do indivíduo, que, absolutamente capaz, tem autorresponsabilidade para fazer escolhas e arcar com as consequências. A isto se aliam direitos relevantes, como a integridade física e a inviolabilidade do corpo.
Na prática, atualmente, várias normas impedem a internação compulsória apenas para tratamento, como a Lei 10.216/2001 (Política Antimanicomial), Portaria de Consolidação 03/2017, do Ministério da Saúde (Política Nacional de Saúde Mental) e as Resoluções 08/2019 e 40/2020, do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos). O Supremo Tribunal Federal, em decisão de agosto de 2023, na ADPF 976, proibiu o recolhimento forçado de pessoas em situação de rua.
Nosso modelo constitucional não permite a internação compulsória, por ser medida extrema, desproporcional, irrazoável e de privação da liberdade. Porém, essa vedação não diminui a responsabilidade do Poder Público. Pelo contrário, a eleva. É preciso oferecer abrigos em maior quantidade e qualidade de higiene e segurança; capacitar equipes multidisciplinares (assistentes sociais, médicos e psicólogos) com abordagens humanizadas; garantir tratamento gratuito acessível; promover agenda permanente de prevenção ao uso de drogas, e investir em campanhas educacionais, de conscientização da população, especialmente de crianças e adolescentes.
Diante do atual cenário, deve o Poder Público, antes de cogitar a internação compulsória, esgotar todas essas etapas e medidas anteriores.
* Bruno Garcia Redondo é mestre em Direito, professor da PUC-Rio e da UFRJ e procurador da Uerj