Claudia Mello Braga. Médica e secretária de Estado de Saúde do Rio de Janeiro Divulgação

O Boletim Epidemiológico sobre Sífilis 2023 da Secretaria de Estado de Saúde mostra que os municípios do Rio de Janeiro não têm conseguido diagnosticar precocemente ou tratado adequadamente suas gestantes, resultando na infecção e mortes de bebês. O impacto da sífilis inadequadamente tratada é avassalador: há transmissão vertical em 70 a 100% dos casos, com morte de 40% dos fetos. Os números mostram o fracasso do projeto do governo federal de eliminar a sífilis congênita, iniciado há 40 anos. Em 2022 o Estado do Rio de Janeiro registrou 22 casos de sífilis congênita para cada mil nascidos, 40 vezes o máximo que o aceitável. Essa é a mais antiga infecção congênita e a primeira pandemia com tratamento disponível no SUS, mas persiste por falta de diagnóstico e tratamento oportunos.
Por isso, é preciso amplo pacto pela erradicação dessa doença. Devem ser envolvidos gestores, profissionais e a sociedade em prol da saúde materna e da vida dos bebês. Deve haver campanhas educativas sobre sexo seguro e testes para detectar doenças sexualmente transmissíveis (ISTs). Quanto mais mulheres testadas e, se necessário, tratadas, menor a chance de ter um bebê infectado no útero. O ideal é que as mulheres em idade fértil façam avaliação pré-concepcional. Quando grávida, deve iniciar o pré-natal até a 12ª semana, com exames e tratamentos sem atraso.
O estado do RJ tem boa cobertura pré-natal e 73% das grávidas fazem ao menos sete consultas, mas os casos de sífilis congênita atestam que falta qualidade às consultas. No pré-natal, devem ser feitos ao menos dois testes rápidos para ISTs, no início e na 28ª semana. Eles são de fácil realização, com resultado em meia hora, não demandam estrutura laboratorial e estão amplamente disponíveis. Contudo, as equipes do pré-natal precisam saber interpretar o resultado e, nos casos positivos, não protelar o tratamento.
Para isso, é preciso ter nas unidades básicas de saúde estoque de penicilina benzatina. As secretarias municipais precisam organizar a assistência pré-natal para iniciar imediatamente o tratamento. Não há sentido encaminhar grávidas para unidades secundárias de saúde por falta de profissionais habilitados para realizar o tratamento ou por medo de reação à penicilina. O que se deve temer é a morte do bebê!
O diagnóstico de sífilis na gestação é de notificação compulsória, e a doença exige atenção continuada para garantir o tratamento e que o parceiro sexual seja avaliado e tratado, quando indicado. A mulher deve ser monitorada, para atestar a cura e avaliar reinfecções, infelizmente comuns, ainda mais em populações vulneráveis.
São enormes os desafios, mas o caminho para combater essa infâmia médico-social está traçado. É preciso implementar esse pacto de ações na Comissão Intergestores Bipartite do Rio de Janeiro: cabe à Secretaria de Estado articular com os secretários municipais o delineamento da política pública e sua implementação. A erradicação da sífilis congênita no estado é prioridade de nossa gestão. Devemos isso à sociedade e às gerações futuras. Não podemos falhar!
* Antonio Braga é médico e coordenador estadual da Saúde das Mulheres do Rio de Janeiro

* Penélope Saldanha é médica e superintendente de Unidades Próprias e Pré-Hospitalares daSecretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro

* Claudia Mello Braga é médica e secretária de Estado de Saúde do Rio de Janeiro