Criei uma escola em mim. Criei uma escola para ensinar a mim mesmo o silêncio.
Sou do mesmo barro dos outros, é essa a metáfora ensinadora do meu existir. Se vejo uma revoada de pássaros, brota em mim um sentimento de união, de paz, de compreensão de um voar coletivo. Em mim, nem sempre são esses os sentimentos, quando se trata de irmãos meus, nascidos do mesmo barro que eu. Então, podo o que brota, porque brota errado.
Eu já disse a mim mesmo, mais de uma vez, que esperar dos outros é caminhar entortado. É imaginar amparos, quando se pode estar reto, olhando para frente, sentindo o vento encorajador que vem do alto.
Não escrevo como duvidador do agir humano. Os humanos não se resumem aos seus erros. Errático sou eu, quando exijo dos outros, ou de mim mesmo, a perfeição.
Na revoada de pássaros, a harmonia me diz perfeição. No desenho no céu. No subir e descer. Nos sons que transmitem silêncio. Das revoadas, abasteço-me para viver os dias. Os dias nem sempre são de elevação nem de voo. Os dias têm perversidade e injustiças. Os dias têm arrogâncias e desamor. Os dias têm barulhos ensurdecedores. Barulhos que me cegam de ver os pássaros. Barulhos que me fazem desaprender o alto.
Então, eu preciso alfabetizar os sentimentos, primeiro os meus para depois escrever, com a vida, vivências de respeito, de ternura aos outros.
Perdoem-me os desabafos, mas não poucas vezes desacreditei de gestos de irmãos meus. De caminhantes comigo dos caminhos do existir.
Tenho asas em mim, não como os pássaros, mas com a alma que me faz humano. Uma delas é a asa da liberdade e é em nome dela que alfabetizo todos os sentimentos que roubam de mim o que sou, um ser livre. A outra asa é a da bondade. Insisto em demitir as teorias que conferem aos irmãos meus uma natural maldade. Só acredito no que eleva. O resto é engano.
Não se enganem, não há felicidade no mal. Há, quando muito, alguma euforia. Algum riso por algum poder usado para diminuir o outro. Riso externo. A alma, a que tem as asas da liberdade e da bondade, jamais ofereceria sorrisos em tais circunstâncias.
O tempo nos leva alguma vitalidade, principalmente nos feitos do corpo, e em troca nos oferece sabedoria. Nos oferece, sem nos impor. A sabedoria não convive com a maldade. A inteligência, talvez. Ouço dizeres de ações bem-sucedidas de pessoas que se julgam inteligentes que venceram, que destruíram irmãos seus. E não falo de pássaros, seres belos, porém irracionais. Falo de nós, os pensantes, os presenteados com a arte de alfabetizar. A si mesmos e aos outros.
Os pássaros sabem, desde sempre, quem são. Nós, não! Nós, que não voamos, voamos na alma, quando sabemos. Saber-se humano, saber-se livre, saber-se bondoso. Só assim as revoadas, harmonias externas, fazem harmonias em nós.
Aos analfabetos nos afetos, um modesto dizer, nunca é tarde para olhar os pássaros e para autorizar o encantamento e para aprender uma outra ação.
Criei uma escola em mim. Foi no silêncio que fui aprendendo o tempo e desautorizando a permanência de sentimentos que me impedem o voo. O voo da liberdade. O voo da bondade.
Ontem, fui ver o mar e agradeci o tempo. Banhei algumas cicatrizes que já não mais doem e vi o céu. Vi com olhos de ver. De ver fora. De ver dentro.
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