Paulo Rabello de Castro: Notas sobre a partida de um mestre
Antônio Delfim Netto: os inteligentes o respeitavam, os esforçados o veneravam, mas todos o parafraseavam
Rio - Há economistas para todos paladares e plateias. Mas são muito raros os que conseguem emocionar e mobilizar tão universalmente quanto o mestre Delfim Netto. Onde quer que chegasse, virava o centro das atenções. Tinha o magnetismo e absoluto controle do binômio corpo-verbo. Administrava sua própria figura diferenciada, professoral, conjugando aquele percuciente olhar, ligeiramente estrábico, com o domínio perfeito das sacadas ferinas e das observações de final inesperado, transformando o mais soturno dos temas em algo possivelmente hilário.
Dominava como poucos as teorias econômicas, mais por sua mente matemática do que por ser o dono da maior biblioteca do país em ciências econômicas. Gostava dos livros – amava essa fonte de inspiração- e se comprazia pelo fato de haver lido e refletido sobre a maioria das obras lá colecionada na biblioteca já doada à sua querida alma mater, a Universidade de São Paulo.
Era professor emérito mas, antes disso, era um emérito autodidata pois conseguia apreender a natureza econômica dos fenômenos sociais antes que seus pares houvessem alcançado ao menos enunciar a natureza da questão. Essa velocidade de raciocínio despertava a comoção admirada das plateias encantadas por sua inteligência aguda e, do resto da academia, curtia ele, em silêncio gozador, a pitada de ciúme dos colegas pela fulgurância de sua personalidade orbital.
Como pensador, não estava datado nem carimbado. Os colegas não o viam como o consumado liberal que era seu parceiro Roberto Campos, nem como um keynesiano como quantos com ele cruzaram espadas verbais. Socialista fabiano Delfim Netto nunca foi, mas tinha a sensibilidade social que faltava a colegas do lado conservador. Delfim era um eclético na teoria e um adaptativo na prática. Amoldava-se na tempestiva percepção do ritmo da sociedade à sua volta. Por isso conseguiu ser sempre um homem do diálogo político entre esquerda e direita, entre conservadores e progressistas, entre banqueiros e sindicalistas.
Os inteligentes o respeitavam, os esforçados o veneravam, mas todos o parafraseavam. Nesse ecletismo, o sempre sobretudo Professor soube usar muitas outras gabardines: foi político e articulista incansável, foi várias vezes ministro e deputado federal, foi embaixador, negociador e, por que não, um pouco de conspirador.
Conspirou incessantemente por maior racionalidade nas políticas econômicas do País, conspirou por colocar as pessoas certas para liderar nas horas corretas, conspirou tenazmente pelo desenvolvimento acelerado do seu frustrante Brasil, conspirou pelo retorno à democracia e trabalhou na Constituinte de 88 por tal consolidação democrática.
Se não acertou sempre, conceda-se, é porque Delfim era humano, embora parecesse de outro planeta maior. Agora partiu, depois de longa vida por aqui, e foi para aquela morada virtual do planeta maior da Inteligência Superior, que nada tem de artificial, pois que sideral.
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