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Paulo Rabello de Castro: Campeões não são para sempre
A história da humanidade é valorizada pelo desempenho excepcional de certos indivíduos e coletivos, todos em suas respectivas épocas e áreas de destaque. A esses chamamos de “campeões”. Parafraseando um amigo que também é campeão, José Luiz Tejon, campeões não nascem prontos. A história contada dessas pessoas ou equipes muitas vezes já começa pela narrativa das suas principais conquistas, deixando de revelar que a origem de tanto sucesso está na disciplina férrea, na determinação inabalável, no senso de planejamento, nos valores morais e na boa escola e – por que não? - numa pitada de sorte, sempre amiga dos campeões.
Também é verdade que campeões não são para sempre. A história deles, esta sim, será contada e recontada muitas vezes, transformando-se, depois, em lendas extraordinárias, recheadas pelo imaginário dos narradores. As Olimpíadas de 2024 nos trouxeram novos campeões. O destaque, para os brasileiros, é a saga vitoriosa de Rebeca Andrade na ginástica feminina. Além de cravar medalha de ouro, essa atleta, tão empática quanto corajosa, chegou ao pódio olímpico seis vezes, mais do que qualquer outro atleta do Brasil.
O recorde dela não é para sempre, mas a história da saga de Rebeca ficará para a posteridade. Com sensibilidade olímpica, a outra grande campeã, Simone Biles — medalha de prata — e sua colega de time, deixaram perpetuada a reverência fotografada que fizeram a Rebeca no pódio, ao se inclinarem na direção da campeã daquele dia. Aquele gesto, bonito e generoso, de campeãs pra campeã, nos encheu de orgulho e consolo.
Falo de consolo pelo fato de o coletivo Brasil hoje se sentir muito pobre na percepção de conquistas em qualquer área. Que o diga a triste realidade do nosso futebol masculino. No passado, nossa equipe era alvo de enorme admiração e respeito pelos adversários, que já entravam em campo resignados pela derrota antecipada diante do esquadrão “canarinho”. Também na economia e na sociedade, os melhores momentos ficaram para trás. Estamos hoje dominados pela resignação dos perdedores. Admitimos para nós mesmos a incapacidade de buscar um bom desempenho, até por saber que não temos feito o dever de casa exigido aos verdadeiros campeões. Não sabemos mais como pagar o preço de uma vitória.
O coletivo Brasil está de joelhos diante do futuro. Contudo, não precisaria ser desse jeito. Como na preparação atlética, há sempre um caminho para se chegar ao pódio que não admite, entretanto, a improvisação, a ignorância e a vacilação. Hoje, somos campeões nesses três defeitos imperdoáveis do mau apronto. Vivemos de improvisar em vez de planejar; ignoramos as técnicas em vez de buscar conhecê-las; e, sobretudo, nosso espírito vacila e se desmancha diante dos desafios.
A sorte restante, nessa intensa maré de azares, é que o coletivo Brasil nos traz alguns genes de antigos sucessos e arcaicas vitórias, que nos podem ajudar a resgatar valores perdidos, aqueles que forjam campeões. É preciso enxergar de maneira atenta e capturar diferenças importantes dentro da complexa realidade chamada Brasil. Ainda existe um País que cresce dentro do conjunto que capenga. Há quem fique bem e há, até, quem consiga ser prospero num coletivo em que as oportunidades são estreitas. Portanto, nem tudo está perdido, se houver a sensibilidade da maioria do povo em separar o joio do trigo e deixar claro que não compactua com o discurso adulador e traiçoeiro dos políticos enganadores, com as desculpas esfarrapadas dos incompetentes e, principalmente, que não engole a esperteza disfarçada dos corruptos e mentirosos.
E onde estariam esses genes vencedores dos campeões? Temos que buscá-los no dia a dia dos que menos fazem barulho, até porque o tempo dos competentes está empenhado no trabalho e não na propaganda fake. São esses exemplos de sucesso que precisam ser mais investigados. Por que alguns estados, dentro da Federação brasileira são destaque, numa comparação, por exemplo, com o Estado de São Paulo? No quadro, observamos que ao longo dos últimos cinco anos, alguns estados alcançaram aumentos de empregos formais (de carteiras assinadas) superiores ao padrão do desempenho paulista que, neste caso, estamos tomando como base de comparação e medida-padrão de um bom nível de organização político-social. Não por acaso, a dinâmica do sucesso na gestão dos estados se reflete na geração de empregos formais. Os melhores desempenhos são, em geral, alinhados com a disciplina nos gastos públicos, decorrem de ordem social e de planejamento, sempre associados a boas lideranças políticas.
Os estados em destaque, em relação a São Paulo, não são necessariamente os mais opulentos e, sim, os que se prepararam para prestigiar o trabalho sobre a mera assistência, os que mais valorizaram a educação e a pesquisa, os que mais exigiram ordem e segurança e onde, por fim, menos se corrompeu, se fraudou e roubou. Claro, há outros fatores explicativos desse sucesso. Mas os dados de geração de emprego formal são uma boa medida de até onde – e por onde – queremos chegar. Campeões não se fazem num único dia. Muito pelo contrário. O caminho do sucesso é longo e pedregoso. Tem que ser levado a sério. A vantagem da jornada de um campeão coletivo, como uma nação, sobre as histórias de campeões individuais é que, dependendo da qualidade das lideranças, essa história pode se repetir.
* Paulo Rabello de Castro é economista, ex-presidente do BNDES e do IBGE
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