Stanley Bittar: critérios de densidade médica criados pelo MEC para cursos de Medicina violam lei e decisão do STF
Recentes diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC) para a autorização de novos cursos de Medicina no Brasil têm gerado críticas e levantado preocupações em função de clara violação à Lei do Mais Médicos e a decisões judiciais. A Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), vinculada ao MEC, publicou uma Nota Técnica e portarias que estabelecem novos critérios normativos específicos para a autorização de cursos de Medicina. Especialistas argumentam que esses critérios violam integralmente as determinações da Medida Cautelar concedida na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 81, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A Lei nº 12.871/2013, conhecida como Lei do Mais Médicos, define que a abertura de novos cursos de Medicina deve ocorrer exclusivamente por meio de chamamento público, conforme critérios claros e objetivos para avaliar a relevância social da oferta de novos cursos. A decisão do STF na ADC nº 81 reafirmou a constitucionalidade dessa lei e determinou que todos os processos administrativos que ultrapassaram a fase de análise documental inicial continuassem sua tramitação, seguindo os critérios estabelecidos pela legislação vigente.
Contudo, o MEC, por meio da Nota Técnica nº 81/2023, divulgada pela SERES de forma suplementar à Portaria nº 531/2023, estabeleceu novos critérios para a autorização de cursos de Medicina. Um dos pontos mais polêmicos é a exigência de que os novos cursos sejam autorizados apenas em municípios com uma concentração de médicos inferior à média dos países da OCDE (373 médicos por habitante) ou nas regiões de saúde pré-selecionadas no edital de chamamento público nº 01/2023.
A introdução do critério de concentração médica por município, por meio de Nota Técnica, não possui previsão na Lei do Mais Médicos, nem no Edital de Chamamento Público e nem em qualquer outra norma vigente. Além disso, o STF já havia afastado a exigência de vinculação ao edital nº 01/2023 e a tentativa do MEC de reintegrar essa condição configura um descumprimento da decisão judicial. A Lei do Mais Médicos estabelece que a análise sobre a relevância e a necessidade social da oferta de cursos de Medicina deve ser realizada no âmbito da região de saúde e não em municípios isolados, sendo critério que está previsto na própria legislação.
O critério estabelecido na Nota Técnica nº 81/2023 viola claramente aos princípios constitucionais da legalidade, da isonomia, da transparência e da moralidade administrativa. A legalidade é violada porque a Nota Técnica cria um requisito que não está previsto na legislação e que, portanto, não deveria ter força normativa para impor obrigações ou limitar direitos.
O princípio da isonomia, que garante tratamento igual para todos perante a lei, também é comprometido. O critério de concentração médica inferior a 3,73 por mil habitantes no município, em vez de considerar a região de saúde, cria um filtro injusto e desproporcional que favorece determinadas localidades e instituições em detrimento de outras. Essa diferenciação afeta a igualdade de condições para a oferta de novos cursos de Medicina e amplia as disparidades regionais na educação médica.
Além disso, a falta de transparência é outro ponto crítico. Nem o Ministério da Saúde nem o Ministério da Educação forneceram dados detalhados sobre como o índice de 3,73 médicos por mil habitantes foi calculado e quais metodologias específicas foram adotadas. A opacidade da atuação dos órgãos responsáveis compromete a confiança nas decisões administrativas e prejudica a previsibilidade e a estabilidade das regras aplicáveis.
As novas diretrizes impostas pela Nota Técnica nº 81/2023 têm gerado efeitos significativos sobre as instituições de ensino superior que já tinham investido na abertura de cursos de Medicina, seguindo as normas vigentes e em conformidade com decisões judiciais. As instituições foram surpreendidas por uma nova etapa processual, que inclui a apresentação de manifestações sobre a relevância social da oferta de cursos e outras diligências que, na prática, apenas formalizam decisões que já seriam tomadas pela própria SERES.
A falta de clareza sobre os critérios e a introdução de requisitos sem base legal cria um ambiente de incerteza e instabilidade jurídica, impactando negativamente o planejamento de novos investimentos e a expansão do ensino médico no país.
O cenário atual de insegurança jurídica provocado pelas recentes normas do MEC poderá ter repercussões profundas para o sistema educacional brasileiro, especialmente na formação de novos médicos. A continuidade de critérios como o estabelecido pela Nota Técnica nº 81/2023, se mantidos, pode desestimular novos investimentos, comprometer a confiança no processo regulatório do setor e implicar em uma enxurrada de novas ações judiciais.
A decisão final sobre a aplicação desses critérios controversos caberá ao STF, que já se pronunciou anteriormente no sentido de proteger a tramitação de processos administrativos que sigam os parâmetros legais e respeitem as decisões judiciais. Até que uma solução definitiva seja alcançada, o setor educacional e os envolvidos na formação de novos profissionais de saúde aguardam com apreensão os desdobramentos desta controvérsia regulatória.
*Stanley Bittar é médico pela Universidade de Córdoba, mestre em Medicina de Urgência e Emergência pela Escola Sanitária de Canárias, especialista em Dermatologia pelo Hospital Universitário Rainha Sofia, Medicina Estética pela Universidade de Córdoba, Nutrologia pelo Hospital Universitário Rainha Sofia e pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo - FCMSP, e em Cirurgia Dermatológica e Estética Avançada pela Faculdade Paulista de Serviço Social. Doutor em Cirurgia Plástica Cambridge International University.
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