Geraldo PeçanhaJeff Borba
Já não podemos ignorar que o senso comum hoje é culpar o uso de telas por todo o mal. A escola atribui às telas o desinteresse dos alunos pelos estudos. Os pais consideram que as telas são hoje o maior ponto a se preocupar na educação dos filhos. Os casais já assumem que as telas substituíram o diálogo entre eles há muito tempo. Nas empresas há restrições de uso de telas. Em algumas repartições e em outros locais há proibição do uso delas. Mas, diante de tantas controvérsias, uma pergunta não quer calar: seria mesmo a tela o atual problema da humanidade? As telas, desde o cinema, passando pela televisão, pelo computador e chegando hoje ao celular trouxeram democratização. As telas potencializaram as vozes da humanidade.
Saímos de um passado onde só uma empresa poderia produzir conteúdos e disseminá-los, para uma realidade em que hoje um índio da Amazônia consegue ser ouvido por um público igual ou maior que o público das maiores emissoras de rádio e televisão do país. As telas deram espaço e voz aos ensurdecidos, possibilitou que pobres pudessem consumir conteúdos feitos por ricos e levou os ricos a consumirem demasiadamente os conteúdos produzidos por pobres. Uma estilista rural do Tocantins dita tendência à blogueira flashionista na semana de moda de Paris.
Diante de qualquer dúvida sobre sinais e sintomas de uma possível doença, as pessoas sabem que podem ser socorridas por uma tela. Se alguém quer comer e não sabe fazer, a tela vai ser a mãe que ensina. Se um sujeito quer construir e não consegue, a tela será o professor a qualificar. Se alguém quer fazer uma viagem e não tem informação, é por meio da tela que terá sua primeira experiência. As telas fazem exames, salvam vidas, monitoram o mundo, dão resgate e salvação, informação e matam saudade. Assim sendo, pergunto: onde está o mal causado por elas? Na contaminação do meio ambiente? Elas não são únicas. No roubo do tempo da convivência humana? Na substituição de todas as outras formas de entretenimento? Mas, qual foi a evolução do rádio, do cinema e da indústria livreira nos últimos 50 anos? Acredito que há um erro considerável nessas afirmações rápidas e imaturas em relação às tela que é não pensar no que os humanos buscam e desejam desde a virada do século.
Todos queriam uma vida de facilidades e de agilidades. Pois então, agora temos E por que não estamos satisfeitos? Deveríamos ter pensado nisso antes. Somos uma geração que fazemos escolhas, mas não ficamos felizes com elas, e achamos imediatamente alguém pra culpar por nossos erros.
* Geraldo Peçanha é psicanalista
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