Eu tive pai presente. Mas ele gritava todos os dias com a minha mãe e por vezes agredia fisicamente também. Então fico me questionando: será que só a presença é essencial? Ou temos que rever todo o “modelo” de parentalidade e a nossa cultura sobre criação de filhos no Brasil?
Afinal, não basta gerar uma vida. É preciso sustentar vínculos. A ausência paterna é um tema delicado e urgente. Dados do Conselho Nacional de Justiça apontam que mais de 5 milhões de crianças no Brasil não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Isso não significa apenas a falta de um nome, mas a ausência de um vínculo que impacta diretamente a formação emocional, social e identitária da criança.
A ampliação da licença-paternidade finalmente entrou na pauta do Congresso com mais seriedade. Diversos projetos de lei propõem estender os atuais 5 dias para 15, 25 ou até 60 dias, com possibilidade de parte do período ser cumprido em teletrabalho. A mudança, mais do que necessária, é um passo para reconhecer que criar filhos é responsabilidade compartilhada. Estudos já mostraram que pais mais presentes desde os primeiros dias promovem vínculos mais fortes, reduzem a sobrecarga materna e impactam positivamente o desenvolvimento infantil. Não se trata de “ajuda”, mas sim de um compromisso de ambos.
Para além da ausência física, há também a ausência emocional, quando o pai está presente de corpo, mas ausente de alma. Esse tipo de negligência silenciosa pode ser ainda mais nocivo, pois confunde a criança e compromete o seu desenvolvimento. Especialmente em tempos em que o celular tem roubado nossa atenção, este é um ponto ainda mais importante a ser observado e alertado.
Recentemente, uma cena de novela teve grande repercussão. A personagem cobrava pensão do pai ausente e causou impacto real: a sequência mobilizou até a Defensoria Pública do Rio. O App registrou picos de acesso com pedidos para dar entrada em processos de pensão alimentícia. Foi um grito urgente, proveniente de sentimentos latentes de quem convive com a responsabilidade unilateral. A ficção ecoou em ações concretas e levantou a discussão: cobrar o que é de direito é uma luta diária, na novela e na vida, e precisa deixar de ser tabu.
Do ponto de vista social, muitas crianças que cresceram sem o apoio paterno relatam sentimentos de abandono, baixa autoconfiança e dificuldade em estabelecer vínculos afetivos duradouros. Isso não significa, de forma alguma, que uma criança sem pai não possa se desenvolver bem. Muitas famílias têm arranjos afetivos diversos que funcionam com excelência. Não é sobre ausência de um modelo masculino tradicional, mas sobre a ausência de cuidado, de escuta e de afeto genuíno. Além da sobrecarga materna, que muitas vezes não permite que a mãe seja a mulher que poderia ser se tivesse o apoio necessário.
Como sociedade, precisamos parar de naturalizar o “pai que sumiu” como se fosse uma figura folclórica. Precisamos falar com os meninos sobre paternidade desde cedo, antes que cresçam e reproduzam o ciclo da ausência. Educar para o cuidado, para o vínculo e para a corresponsabilidade é um ato político.
O futuro agradece!
Fernanda King é neuropedagoga, especialista em educação, gestora escolar e escritora
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