Rafaello RamundoDivulgação

Desde o lançamento do livro “Cidade Partida”, do grande Zuenir Ventura, que o Rio de Janeiro vive e respira este insight genial do título da obra: já fomos mar e montanha, hoje somos asfalto e favela. Favela, que para o asfalto, é um problema e, para os seus moradores, é solução. Tentativas de integração não faltaram – como o Favela-Bairro, de 1993, e a iniciativa das Unidades de Polícia Pacificadora (2008). Em todas as iniciativas, há – não sem razão – como força motriz uma certa vontade de transformação da favela, seja por razões estético-urbanas, seja por razões de segurança pública. É como se o asfalto e a favela fossem cônjuges que volta e meia se desentendem, e o primeiro dissesse, “toma".
Só que são transformações sempre propostas por quem está no asfalto – e cada vez mais vejo que é a hora de ouvir a voz do morro (obrigado, Zé Kéti), entender que a transformação para melhor vai partir de seus próprios moradores, dos que lá nasceram. Não se trata apenas do asfalto subir ou do morro descer: se trata de criar mais e mais canais de interação e conexão entre as culturas dos dois universos. Até que sejam um só.
Quando fundei a Novo Traço em 2008, eu já pensava na criação desses canais, no fluxo de informação, cultura e linguagem que torna o Rio uma cidade única. Quem conhece a Novo Traço sabe que não somos apenas uma produtora de eventos culturais – mais que isso, queremos gerar e participar de momentos inesquecíveis. A Novo Traço cria sensações de pertencimento para quem vai a nossos shows – mas nós temos a sensação de pertencermos ao Rio e ao Brasil, um sentimento cada vez mais nítido. E neste ano tivemos mais um motivo para aumentar essa emoção, com o Jazz Proibidão, nosso evento que mistura tendências e desperta novos formatos, tudo capitaneado pelo genial jazzista Josiel Konrad, ele próprio uma mistura de tudo: nasceu na Baixada, é músico da Marinha, evangélico, mora em Santa Teresa e estudou em Quintino. Se mandássemos uma cápsula para o espaço infinito a fim de mostrar para civilizações desconhecidas o que é o Rio de Janeiro, eu juro que escolheria colocar lá dentro um vinil (sim, vinil) do Josiel Konrad.
Hoje, 17 de outubro, estaremos todos lá na Arena Samol, no Morro da Providência, para ver Josiel tocar e mostrar sua arte. Teremos a felicidade de ter ao lado moradores do morro e do asfalto. Se a cidade um dia partiu, Josiel está colando os cacos. O som que ele faz não deixa dúvidas.
E quem diria que a resposta para o dilema proposto por Zuenir Ventura estaria... na música? Tenho certeza de que ele próprio concordaria. A transformação da favela pode acontecer, sim, desde que toda a cidade se transforme junto. Entreguemos esta tarefa aos que fazem a cultura – a História mostra que sempre deu certo.
Rafaello Ramundo é produtor cultural e dono da Novo Traço