Por isso mesmo, achei lindo saber que Milton Nascimento, de 80 anos, estava na plateia do show de Caetano, da mesma idade. Bituca já havia assistido ao espetáculo de Chico Buarque, dias antes, aproveitando a aposentadoria dos palcos para curtir o som dos amigosArte: Kiko
Envelhecer é viver...
Penso que a nossa vivacidade renasce justamente pela capacidade de refletir, questionar e compartilhar opiniões. E de acompanhar os novos tempos
Amanheci no último domingo na casa da minha amiga Gisele, em Caxias, que gentilmente me recebeu após termos assistido ao show de Caetano Veloso no sábado à noite ao lado do seu marido, Zé Carlos, numa casa de espetáculos na Barra da Tijuca. O casal havia garantido o famoso 'vale night', já que os seus dois filhos tinham ficado em casa sob os cuidados da mãe da Gi, a Neia. Assim, sentados à mesa para o café da manhã, as memórias do show da véspera vieram à tona. "Mãe, havia várias senhoras da sua idade lá", disse a minha amiga. Neia logo respondeu: "Eles pensam que eu sou coroa. Tenho 60 anos e uma pessoa da minha idade hoje namora, passeia..." E eu ainda completo: também mostra jovialidade ao se agachar no chão para brincar com os netos, como espiei em determinado momento, numa linda cena naquele lar tão cheio de afeto.
Lembrei, então, que faço 46 anos em julho. Comentei com eles que hoje tenho uma imagem diferente sobre quem já passou dos 'enta'. Quando mais jovem, talvez nem me imaginasse curtindo os embalos de sábado à noite nesta fase atual. A ideia de crescer, envelhecer e se recolher, no entanto, merece ficar para trás. A nossa experiência não deve ser sinônimo obrigatório de reclusão.
Por isso mesmo, achei lindo saber que Milton Nascimento, de 80 anos, estava na plateia do show de Caetano, da mesma idade. Bituca já havia assistido ao espetáculo de Chico Buarque, dias antes, aproveitando a aposentadoria dos palcos para curtir o som dos amigos. Caetano, aliás, fez questão de dizer que, ao cantar "E sei de alguns que sabem mais/ Muito mais" em 'Não vou deixar', ele se refere especialmente a Milton. Afinal, conhecimento é virtude de quem está aqui há mais tempo do que a gente.
Penso que a nossa vivacidade renasce justamente pela capacidade de refletir, questionar e compartilhar opiniões. E de acompanhar os novos tempos. Como a senhora ao meu lado na arquibancada do show, que tirava fotos e enviava pelo celular através do Whatsapp, conectada com a vida. Como Caetano, que surgiu no palco reafirmando a vitalidade. Ele apareceu disposto e feliz por cantar, gingar e prosear sobre as suas canções. É mesmo lindo vê-lo, com toda a sua potência, decretando que 'Sem samba não dá...' Nessa canção, inclusive, eu já mexia os pés, mesmo sentada na arquibancada, e tentava chacoalhar os ombros.
Ao meu lado, a senhora também gingava. Logo depois, veio 'Reconvexo' e tive o privilégio de participar do coro de palmas regido pelo baiano: "Quem não rezou a novena de Dona Canô/ Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor..."
Nos meus pensamentos, fiz uma aliança de todas essas memórias: a performance de Caetano no palco, a presença de Milton na primeira fila, a imagem da senhora ao meu lado na plateia, a mãe da Gi com os netos e papeando com a gente... E me lembrei da live em que Gilberto Gil comemorou os seus 78 anos, durante a pandemia, em 2020. Na ocasião, ele citou a mãe de Caetano, Maria Bethânia e mais seis filhos — a matriarca, aliás, viveu até os 105 anos: "Como dizia dona Canô: quem não morre envelhece". A segunda opção diz respeito à vida e, justamente por isso, é muito boa!
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