PAUTA ESPECIAL - Como as bancas de jornais sobrevivem nos dias atuais. Na foto, Nilsa e o marido Bernardo, na banca de jornal, na Av Rio Branco. Pedro Ivo/ Agência O Dia

Rio - A relação de Armando Gomes, de 60 anos, com a banca de jornal começou há mais de cinco décadas, quando seu padrinho comprava revistas da Disney e de coleções geográficas e históricas. Com o passar do tempo, Armando deixou de lado as revistas de desenho e passou a se interessar pelas de astronomia, de artigos científicos e gibis, que segue comprando até hoje. Para ele, a banca de jornal é muito mais do que um comércio, é um local de acesso a cultura. Segundo a Secretaria de Ordem Pública, há 2.005 bancas de jornais ativas no Rio e, desde 1992, a Prefeitura não concede novas autorizações para essa atividade. Sendo assim, as bancas que existem hoje em dia são passadas de pais para filhos, como verdadeiras heranças.

"O meu padrinho comprava revistas da Disney que vinha com um disquinho de vinil contando a história relacionada àquela publicação. Ali começou a minha caminhada junto com as bancas de jornais. Meu pai também passou a comprar coleções, porque antigamente era muito difícil termos acesso a livros de conhecimento", disse Armando. "Antigamente, as bancas tinham uma função social muito elevada e agora, com a nossa contemporaneidade, a importância dela foi diminuindo, mas para mim ainda se trata de um acesso a entretenimento e cultura. É um espaço que eu, jovem ancião, me sinto um garoto usufruindo de momentos prazerosos".

Armando não compra mais jornais de papel há muito tempo, no entanto, não deixa de comprar suas revistas em quadrinho e de cunho científico. De acordo com ele, a grande maioria das informações estão disponíveis na internet, com um tratamento mais lúdico, de forma mais prática. "Claro que existem também materiais essenciais, você pode até ter uma cópia digital de determinado produto, mas a edição física nas suas mãos, permitindo que você possa folhear e ter acesso às páginas, passar o olho, é algo importante ainda para mim".

Localizada em uma das ruas mais famosas do Centro do Rio, na Avenida Rio Branco, esquina com a histórica Rua do Ouvidor, a banca de jornal de Bernardo e Nilza resiste há 80 anos. Ela foi criada pelo pai de Bernardo, imigrante italiano que chegou no Brasil no começo do século 20. No início, para ter uma fonte de renda, ele montou umas caixas com algumas revistas à mostra, depois foi crescendo até ser o que é hoje. Lá vende-se de tudo: jornais, revistas, gibis e mangás, sendo os dois últimos os campeões de procura.

"Na época, as pessoas ficavam na esquina como ponto de encontro mesmo, depois vieram as bancas pequenas, depois, ganhamos força com a criação do sindicato que trabalha junto aos órgãos públicos e o negócio cresceu. Antigamente, as bancas de jornais eram a internet daquele tempo. Se hoje temos uma democracia, temos que agradecer a elas. Quantas foram queimadas na época da ditadura? Era o principal veículo de comunicação, tudo vinha da banca", disse Nilza Maio, de 62 anos, dona da banca da Rio Branco.

Nilza trabalha ao lado de Bernardo, assumindo a administração do negócio que veio de pai para filho. Segundo ela, houve algumas modificações, como em todos os setores, com o avanço da tecnologia e da internet. "Para mim, a banca ainda é um local em que você tem muita cultura. Porque uma criança quando vai ler um gibi, ela desenvolve a leitura e a interpretação ao invés de ficar só no celular. É importante a existência do livro e da revista física para incentivar a nova geração".

Para se adaptar ao novo mundo tecnológico e caminhar em parceria com os aplicativos e portais da internet, Nilza criou um grupo de Whatsapp e no Facebook para atualizar sua clientela das revistas novas que chegam. "Quadrinhos da Marvel e Mangás são os campões de venda. Claro, nossas vendas diminuíram com todas essas mudanças atuais, mas temos clientes fixos, então nos modernizamos com esses grupos que falam um pouco de cada livro/revista lançados. Isso melhorou muito o nosso relacionamento com eles".

A jornaleira Carla Garritano, de 52, vem de uma família de jornaleiros. Seu pai chegou ao Brasil em 1947 e abriu uma banca de jornal, tendo sido sua única profissão até hoje. Com seis irmãos, Carla assumiu a sua própria banca há 15 anos. "Sempre quis uma para mim, mas meu pai falava que não era ambiente para mulheres. Até que um dia o convenci e me tornei jornaleira. Eu gostava muito das histórias que meu pai contava, ficava fascinada. A banca dele foi a primeira a ter revistas e jornais do mundo inteiro e funcionava 24 horas".

Para Carla, o local é o seu porto seguro. Não apenas para ela, mas para todos que estão ao seu redor. "Isso é muito claro nas relações que eu tenho com os meus clientes. Represento o sustento da minha família, isso me torna uma super-heroína, um exemplo de determinação. Considero-me guerreira, batalhadora e sempre com um bom humor. Gratidão define. Amo o que eu faço". 
Mudanças

O presidente do Sindicato dos Jornaleiros do Rio de Janeiro (Sinjor-RJ), Nilson Dantas, informou que as bancas hoje em dia estão sobrevivendo das conquistas do sindicato ao longo dos anos. "Nós sempre estivemos na política reivindicando coisas melhores para os jornaleiros. Elas passaram a vender também cigarro, refrigerante, cerveja, biscoito, doce, sandálias, artigos de papelarias, presentes, ou seja, hoje as bancas podem ser consideradas também uma conveniência. Isso tudo porque percebemos, lá atrás, que a internet era o grande vilão".

Dantas afirmou que o papel vende muito pouco atualmente e as bancas vivem hoje de outras coisas, inclusive da publicidade nas costas e na lateral delas. "Se elas só vendessem jornais e revistas, não teria uma só aberta. Claro, antigamente o impresso era vendido demais, mas isso foi diminuindo e tivemos que colocar produtos diversos para as bancas resistirem. Hoje, elas têm apenas 5% a 10% do faturamento com jornais e revistas. Ainda assim, elas seguem sendo o melhor canal da mídia escrita. Talvez o único".

Durante a pandemia, as bancas foram consideradas atividades essenciais, servindo de rede de apoio a pessoas que precisavam comprar alguma coisa rápida, como água, refrigerante, sem precisar enfrentar mercado e aglomerações. "Na quarentena, por exemplo, não ficamos fechados. Fui direto ao prefeito, conseguimos convencê-lo de que a banca era um espaço seguro e conseguimos suprir a população nesse momento tão delicado", explicou Dantas.

De acordo com Dantas, ano passado a banca de jornal ganhou o título de Patrimônio Imaterial e Cultural da Cidade do Rio, tanto os espaços como os seus jornaleiros. "A Prefeitura, junto com a Secretaria de Ordem Pública, vem fazendo trabalho duro com as bancas removendo-as. Muitas dou até razão porque às vezes a banca só funciona como outdoor mesmo, mas discordo da cassação de licença. Caso tenha uma banca vaga, sem jornaleiro, sou a favor da indicação de alguém de confiança do sindicato, uma pessoa que precisa trabalhar, ocupe aquele espaço. Não é interessante para o Rio que as bancas fechem".

Segundo a Secretaria de Ordem Pública do Rio, hoje só é possível o remanejamento das bancas já existentes, sendo proibidas tais solicitações para as regiões do Centro e Zona Sul da cidade. A transferência de titularidade, modo aquisitivo de autorização, se dá por sucessão, ou seja, de pai para filho, em caso de falecimento e por renúncia em favor de terceiro.

De acordo com a Lei Complementar nº. 224, de 09 de dezembro de 2020, as bancas estão autorizadas a comercializar produtos lotéricos, legalizados pelo órgãos competentes e títulos de capitalização, cartões telefônicos, cartões postais e comemorativos de eventos, adesivos, botons e serviços de recarga para telefonia celular e xerografia; pequenos acessórios de informática, artigos para presentes, bonés, sandálias, biscoitos, doces e sanduíches embalados industrialmente, bebidas não fracionadas e sorvetes não fracionados e café expresso em copo descartável.