Nesse bate-papo, voltei às raízes e ouvi uma linda declaração: "A minha avó era a cola da família". Essa frase capturou o meu coração e me fez pensar no seu simbolismo por dias e dias: como é poderoso conviver com alguém que (re)junte histórias... Arte: Kiko

O Carnaval já havia passado quando recebi a ligação do meu pai, que estava nas últimas arrumações no porta-malas do carro em Rio das Ostras, prestes a pegar a estrada de volta para Caxias. Ele tinha viajado para a casa de praia ao lado da minha irmã, do meu cunhado e dos meus dois sobrinhos. E foi aí que me lembrei de um item que havia comprado com ele, na época do Réveillon, numa loja do tipo "tem tudo" na cidade da Região dos Lagos. "Pai, traz a minha jarra de abacaxi", pedi, lembrando daquele ícone inconfundível, que já virou vintage. Do outro lado da linha, ele respondeu com o seu habitual humor, com uma pitada de ironia, mesmo sabendo que era apenas uma garrafa de plástico: "Vou ver com a sua irmã se dá para levar, estou de carona no carro dela".
No fim das contas, o objeto veio para Caxias e foi parar na casa da minha irmã. Tratei de ir lá buscá-lo e, quando cheguei à cozinha do meu doce lar com a relíquia em mãos, fui logo mostrando para a Marilsa, que trabalha na nossa casa há 25 anos. Sua reação foi imediata: "É a jarra da Nenê!" Eu não tinha me dado conta, mas era mesmo: um abacaxi em forma de garrafa igualzinho ao da famosa personagem de Marieta Severo na série 'A grande família', que marcou época na televisão brasileira.
"Marilsa, então eu comprei a jarra certinha para a gente!", completei, já pegando o celular para colocar a música de abertura do programa, cantada por Dudu Nobre: "Essa família é muito unida/ E também muito ouriçada/ Brigam por qualquer razão/ Mas acabam pedindo perdão..."
Curiosamente, a família Silva, da tevê, é do subúrbio, um cenário bem parecido com o meu, na Baixada. Dona Nenê poderia facilmente ter um paliteiro como o que está no armário da minha cozinha: uma engenhoca em que um passarinho de plástico vermelho bica os palitos de dente, retirando-os do depósito onde ficam guardados. Talvez sejamos todos — os Silva e os Gomes, aqui de casa — da mesma turma que também coloca ímãs com os telefones das farmácias na porta da geladeira.
Aliás, tenho tido a sorte de encontrar pessoas que têm outros sobrenomes e histórias, mas que poderiam ter sido criadas no mesmo quintal da minha casa. São aquelas que se tornam próximas ao entenderem os ralados nos joelhos das brincadeiras de infância e as feridas que a gente tem vontade de coçar e tirar a casquinha ainda na vida adulta. Afinal, é mesmo difícil esse desafio de não mexer nas nossas cicatrizes, sejam elas físicas ou emocionais.
Por natureza, a gente catuca mesmo e quer pirraçar, como diz a música. E era justamente sobre isso que eu conversava outro dia. Sobre laços, memórias afetivas e o modo como resolvemos caminhar com todas as lembranças quando já estamos crescidos. Nesse bate-papo, voltei às raízes e ouvi uma linda declaração: "A minha avó era a cola da família". Essa frase capturou o meu coração e me fez pensar no seu simbolismo por dias e dias: como é poderoso conviver com alguém que (re)junte histórias... Entre jarras, paliteiros e ímãs, ouso dizer que as famílias verdadeiramente grandes têm alguém que consegue unir memórias e, especialmente, pessoas.