Família diz que Paulo Alberto da Silva está preso injustamente há três anos após reconhecimento por fotoDivulgação

Rio - A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro acompanha o caso do homem que foi condenado cinco vezes pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) apenas com base no reconhecimento fotográfico e sem nunca ter prestado depoimento na delegacia. Paulo Alberto da Silva Costa, de 36 anos, está preso desde março de 2020 no Complexo de Bangu, na Zona Oeste do Rio, por crimes que, segundo a família, não cometeu.
De acordo com a ficha criminal do acusado, há 60 processos criminais e 10 inquéritos contra ele, sendo a maioria por roubo a mão armada. As acusações que constam nos processos são norteadas com base em uma foto publicada nas redes sociais de Paulo e disponibilizadas no álbum de fotografia da 54ª DP (Belford Roxo). O homem foi preso durante uma operação na comunidade Santa Tereza, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, e permaneceu com a liberdade cerceada mesmo não tendo antecedentes criminais e nem prisão em flagrante. 
Lucia Helena de Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em entrevista ao Dia, disse que trabalha com o apoio do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) para esclarecer como a foto de Paulo foi inserida no álbum de suspeitos. "Familiares procuraram o Instituto e chegaram na Defensoria para que pudéssemos mapear a situação do Paulo. Nosso trabalho agora é analisar a defesa de cada processo contra ele, já que cada situação é uma defesa. Esse mapeamento da situação criminal está sendo feito com a ajuda do IDDD. Essa etapa é muito importante para que o juiz, quando ver a situação do Paulo, tenha consciência que estamos falando de um caso peculiar, com diversos processos. Aqueles casos que a condenação já foi decidida nós estamos estudando e vamos solicitar revisão criminal. São cinco condenações, sendo quatro definitivas", analisa a defensora.
Lucia destaca que o caso do Paulo chama a atenção pelo volume de anotações criminais, sendo distribuídas em vários juízos: Belford Roxo, Duque de Caxias e São João de Meriti. "Chama a atenção que em nenhuma dessas acusações ele foi chamado para prestar depoimento na delegacia, somente em juízo", diz.
"Infelizmente a situação de reconhecimento fotográfico é algo que a gente lida diariamente e sabe que acontece muita injustiça. Lamentavelmente essa situação acontece e a gente precisa mudar esse modo de aceitar a memória como prova infalível", analisa Lucia.
O que diz o preso
Membros da Defensoria Pública e do IDDD visitaram Paulo Alberto no Complexo de Bangu para iniciar uma conversa. À equipe, o preso negou que tenha ligação com os crimes imputados a ele e que não conseguia entender o motivo da sua foto ter ido parar no álbum de fotos da Polícia Civil. Algumas dessas fotografias foram retiradas das redes sociais e outras nem mesmo Paulo sabe qual a origem.
Segundo Lucia, o acusado estava entristecido pelo longo tempo na prisão, mas diante da ajuda dos órgãos demonstrou esperança em provar sua inocência. "O Paulo está entristecido, a situação que está vivendo o tira o chão. Falamos com os familiares dele também. Ele foi preso em março de 2020 e, em seguida, logo entrou a pandemia. Nesse período todo a família não conseguiu fazer contato com ele, esse fato por si só já desestimula uma tentativa de reação contra a prisão. Agora que fizemos contato ele consegue enxergar um horizonte e disse estar confiante em um final feliz". 
O que dizem as autoridades
A Polícia Civil afirmou que desde 2020 orienta os delegados a usarem a tecnologia a seu favor para gerar prova nos inquéritos. Procurado, o Tribunal de Justiça do Rio ainda não se pronunciou sobre o caso de Paulo Alberto.
No entanto, em janeiro deste ano, o 2º vice-presidente do TJRJ, desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio, publicou o Aviso 2ªVP Nº 01/2022 recomendando que os magistrados do Judiciário fluminense reavaliem, com a urgência necessária, as decisões em que a prisão preventiva do acusado foi decretada com base somente no reconhecimento fotográfico.
De acordo com a publicação, foi "estipulado que o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e, ainda, quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, sendo determinado que todos os Tribunais de Justiça dos Estados fossem cientificados do teor daquela decisão."

Ainda de acordo com a decisão, à vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir para eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo. 
Preso injustamente após reconhecimento fotográfico na mesma delegacia
Alberto Meyrelles Júnior, de 39 anos, foi inocentado pela Justiça do Rio. Ele era réu por um crime que não cometeu - Cleber Mendes/ Agência O DIA
Alberto Meyrelles Júnior, de 39 anos, foi inocentado pela Justiça do Rio. Ele era réu por um crime que não cometeuCleber Mendes/ Agência O DIA
Em julho do ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), por meio da 1ª Vara Criminal de Bangu, absolveu Alberto Meyrelles Santa Anna Júnior, de 39 anos, preso injustamente após ser identificado por foto 3x4 de uma CNH sua que havia sido roubada no dia do crime do qual era acusado. Alberto chegou a ficar 20 dias preso e o drama dele e de sua família foi acompanhado de perto pelo Dia. De acordo com a decisão do juiz Flavio Silveira Quaresma, não há provas suficientes para condená-lo pelo crime de roubo.
Também foi determinado pela Justiça que a 54ª DP (Belford Roxo) retire a foto de Alberto do álbum de suspeitos, na hipótese de eventualmente estar inserida, diante da sua inocência. Ele conseguiu, em dezembro de 2021, responder o processo em liberdade, após seis tentativas de pedido de soltura. No entanto, a vítima, que trabalha como estivador e supervisor de uma empresa na Zona Portuária no Rio, estava proibido de sair do município do Rio e precisava se apresentar em sede judicial uma vez por mês.
"Receber essa notícia foi ótima, mas demora muito essa Justiça que nós temos. Eles [a Polícia Civil] não procuraram saber o que aconteceu, foram direto me acusando e me prenderam. Não procuraram saber o que eu fazia", se indigna o supervisor.
Logo depois que foi solto, Alberto conseguiu retornar ao seu antigo emprego, no qual trabalha há 20 anos de carteira assinada. Por responder o processo em liberdade, ele também conseguiu presenciar o nascimento do próprio filho Alberto Filho, que está com dois meses. "Daqui para frente eu vou seguir a minha vida, tenho um filho pequeno agora para cuidar e ver o crescimento dele", comemorou.