Bboy Kapu, único representante do Rio cotado pra disputar as Olimpíadas 2024 na modalidade breaking, posa no alto do CantagaloCleber Mendes

Rio - Ronielson da Silva Araújo e o pai, Manoel, sempre assistiam juntos às competições de ginástica artística nos Jogos Olímpicos. Sentados diante da TV, conversavam sobre o sonho de que algum dia o menino pudesse estar lá representando o Brasil. Era o início dos anos 2000 e seu Manoel colocava fé no propósito, chegando, inclusive, a acordar o filho, hoje com 36 anos, para ver as competições quando a transmissão era tarde da noite.
Mais de 20 anos depois o sonho está bem perto de se tornar realidade. Mas, agora, Ronielson é o bboy Kapu, único representante do Rio na Seleção Brasileira de Breaking, modalidade que fará sua estreia nas Olimpíadas 2024, na França. A ascensão na dança correu em paralelo à evolução do breaking que, antes marginalizado, alcançou status de esporte olímpico.

"Antes de cada competição eu costumo fazer uma oração. É um momento em que passa um filme na minha cabeça, desde quando eu treinava escondido da minha família na praça até o momento em que passei a ganhar dinheiro com o breaking e meu pai teve orgulho de mim. Quando eu comecei a viajar para outros estados, ele me levava para a rodoviária e, pelo caminho, ia dizendo para todo mundo: 'Olha, o garoto tá indo para os Estados Unidos'", lembra bboy Kapu.

E de fato chegou o momento de estar lá. E em outros países do continente americano, da Europa e da Ásia. Foram mais de 30 países em competições e eventos com o Grupo de Rua de Niterói, do qual participou entre 2010 e 2022, ano em que saiu para tentar a vaga na Seleção Brasileira de Breaking, conquistada no ano passado.

Mas a vaga para as Olimpíadas 2024 ainda não está garantida. Para isso, Kapu treina visando uma série de competições que, realizadas neste ano, contam pontos para o passaporte olímpico. Um dos locais de treino é perto de casa, no Morro do Cantagalo, onde, no alto de uma pedra com vista para a Lagoa e o Morro Dois Irmãos, dá saltos e faz movimentos em um plano inclinado para as fotos que ilustram esta reportagem.

"Calma aí, cara, cuidado. Tá quase na ponta", alerta o fotógrafo Cléber Mendes, preocupado.

"Ih, nada, outro dia ele deu um mortal aqui. Mas é mesmo, Kapu, não abusa, olha as competições", diz a bgirl Savaz, esposa de Kapu.
O salto mortal foi o início de tudo. Apesar de viver no Rio há 12 anos, Kapu é natural de Belém, no Pará. Foi lá, na Praça do Paar, no bairro Ananindeua, que ele os colegas improvisavam um trampolim com uma tábua de madeira entre dois pneus de caminhão e saltavam sobre o chão coberto de serragem.

"Lá tinham muitas madeireiras nessa época e o salto na serragem era uma brincadeira de rua nossa", lembra Kapu que, antes de conhecer o breaking, já praticava a capoeira, além da ginástica artística, que conheceu em um projeto social.

O nome artístico veio da capoeira, inclusive:

"No começo eu dançava descalço, nem tênis eu tinha. Um veterano da época me viu e falou: 'O moleque é capoeira''. Aí virou Kapu".

O grande salto veio em 2009, quando participou de uma competição no Japão. Kapu não venceu, mas chamou atenção pelo jeito diferenciado de dançar, que mescla elementos da capoeira e da ginástica artística com a ginga brasileira, ligada ao samba e, no caso de Kapu, ao tecnobrega, ritmo do Pará: "Aqui no Brasil a gente se destaca pelo improviso e pelo molejo. Os gringos são muito metódicos, técnicos. Nós temos a técnica também, mas trazemos algo a mais".

Busca de patrocínio para o Panamericano no Chile

Além dos campeonatos que contam pontos para a qualificação olímpica, que serão realizados em países como Espanha, Marrocos, Canadá e Polônia, há outros que garantem vaga direta para as Olímpiadas 2024. Um deles é o Panamericano do Chile, que será em maio. Já classificado para o evento, Kapu, que hoje faz parte do grupo Flow 021 Crew, busca patrocínio para a viagem.

"A gente está correndo atrás do apoio de algumas empresas. Agora nós temos condições de fazer isso. Nós saímos de um momento em que éramos expulsos do metrô quando passávamos o chapéu nos vagões para o status de esporte olímpico", diz Savaz.

Um momento que abre possibilidades para futuros atletas, especialmente das periferias, onde o breaking surgiu. É o caso do pequeno Israel dos Santos, de 5 anos, que voltava da escola quando parou para arriscar uns movimentos ao lado de Kapu, na quadra de um projeto social do Cantagalo.

"O garoto leva jeito", diz Kapu.

Além da medalha olímpica, outro sonho do atleta é que o breaking passe a ser um esporte dentro dos clubes de futebol: "Meu sonho é ser atleta do Flamengo, onde a Daniele e o Diego Hypólito treinavam. Era onde eu queria estar desde quando assistia à ginástica olímpica com o pai".