Slam das Minas começou em 2016 fazendo batalhas de poesias com o objetivo de potencializar artisticamente mulheres e pessoas trans Pedro Ivo / Agência O Dia

Rio - Um espaço lúdico que transforma a realidade em poesia: assim é o Slam das Minas, que existe desde 2016 no Rio de Janeiro — a terceira roda de batalha poética no Brasil. Sendo proibida a participação de homem cisgênero, o coletivo tem o objetivo de desenvolver a potência artística das mulheres e pessoas trans, principalmente negras, lésbicas e periféricas. Suas vozes, muitas vezes abafadas, encontram um lugar de fala e narram histórias reais, de lutas e resistências.


A expectativa sobre a primeira apresentação, que aconteceu naquele ano no Largo do Machado, Zona Sul do Rio, era de 60 pessoas — mais de 400 compareceram. Atualmente, a média de público é de pelo menos 200 pessoas. Segundo Tom Grito, um dos fundadores do Slam das Minas, pessoa transmasculina não-binárie, na época da primeira roda, o grupo pensou em fazer uma performance de símbolo político diante do cenário da recente saída de Dilma Rousseff da presidência.

"Foi quando surgiu a ideia de fazermos um Slam das Minas. Na ocasião éramos só mulheres e eu ainda estava no meu processo de transição. Já tinha algumas rodas como a nossa no Distrito Federal e em São Paulo. Fomos a terceira a ser criada aqui no país. Decidimos criar um evento no Facebook e foi lá onde tudo começou. Não tínhamos muitos equipamentos, apenas um microfone e uma caixa de som", contou Tom. 

No slam, as duas últimas vencedoras de uma batalha de poesia competem entre si ao final. "Naquele ano, todas as campeãs eram mulheres pretas e em sua maioria lésbicas. Foi muito simbólico porque o patriarcal sempre foi dominante. A roda foi se fortalecendo e encontramos nela um lugar de resistência cultural pela poesia", explicou o fundador.

De acordo com Tom, a maioria das mulheres e pessoas trans são acostumadas a silenciar e não reagir à violência doméstica. "Tudo isso que essas pessoas passam faz com que sejam reprimidas a ponto de se silenciarem. Poder falar de suas vivências, encontrar e conhecer outras com as mesmas dores as fortalece muito, tanto na maneira de falar do sofrimento quanto na maneira de curar. Vejo o Slam como um espaço formativo na arte, na cultura e na vida sociopolítica mesmo, de entender o seu lugar no mundo".

À medida que as integrantes do projeto vão ganhando as batalhas, as poesias vão ficando ainda mais fortes e embasadas em contexto político e histórico mundial. "A galera vai querendo melhorar o trabalho, começa a estudar mais, então não deixa de ser também um espaço de educação indireta, onde o pessoal se entende e aprende mais sobre o mundo".

Lian Tai, atriz e também fundadora do Slam das Minas, além de ser a videomaker do grupo, contou que escreve desde sempre. "Na época, em 2016, aconteceu uma vez de ter só mulher falando poesia, então a gente conversou sobre fazer algo mais potente, levar a poesia para a rua e não deixá-la em quatro paredes. Queríamos que ela tivesse o poder de mexer com a galera de alguma forma". Foi quando juntou-se a Tom, que já tinha experiência com batalhas e outros slams, e juntos criaram o coletivo.

"Não esperávamos que fosse bombar. Encheu de gente, apareceram muitas mulheres declarando poesia, foi incrível a nossa inauguração em 2016. Um momento de muita união, força e troca de experiência e de vivência. Com um tempo, a formação do Slam das Minas foi mudando, entraram outras pessoas mais alinhadas com o que o coletivo se tornou e outras saíram. Quando definimos o termo 'minas' pensamos: 'o que seria mina?' Então, pensamos que todos podem falar, menos homens cis, que têm muito espaço na sociedade", disse Lian.

Lian explicou que a literatura sempre teve muita importância em sua vida e, trazê-la para oralidade, para algo mais próximo de sua realidade, é libertador. "No slam, um mundo de poesia se abriu para mim. Essa feita por mulheres e pessoas trans, periféricas, que não é o outro falando da gente, mas a gente falando da nossa realidade. Isso abriu porta para mim de troca com outras pessoas porque meu feminismo é isso: troca. Eu comecei a pensar mais em mim, sobre o que eu vivo e parar de fazer poema bobo romântico, mas pensar em quem sou neste mundo".

A agitadora cultural Débora Ambrósia, 36, faz parte do Slam das Minas desde 2018. Foi através de um evento no Facebook, uma das redes sociais onde o coletivo divulga as suas apresentações, que ela se apaixonou pela roda. "Comecei a me relacionar com o Tom na época e, de primeira, fiquei só assistindo durante um ano, do lado de fora mesmo. No ano seguinte, como a gente já namorava, ele me chamou para fazer parte. Eu sou apenas uma agitadora cultura, reprodutora do slam. Faço os meus corres para sobreviver e viver. O coletivo me proporcionou ser o que eu sempre quis ser", enfatizou.

Atualmente, por causa do trabalho dentro do Slam, Débora consegue viver da produção cultural. "A gente não faz apenas batalhas, fazemos também oficinas, por exemplo. Dentro disso tudo, a gente construiu muitas outras coisas e isso foi algo que transformou a minha vida e vejo como transforma a vida das pessoas trans e mulheres. O Slam das Minas conseguiu não só vender a nossa dor, mas também a nossa arte. Hoje, eu me tornei uma pessoa melhor e aprendi a acreditar em quem eu sou, no meu potencial, no que sou capaz".

Poeta da vida real

Rejane Barcelos da Silva, 34, moradora do Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, era ambulante e vendia sua mercadoria para o público do Slam das Minas durante os eventos. Antes, ela aproveitava o microfone aberto para aumentar as suas vendas, depois se tornou uma das poetas da roda. Atualmente, ela é uma das produtoras do coletivo.

A sua história com a literatura começou quando ainda era criança. "Sempre fui agitada, então tudo que me chamava atenção a minha mãe incentivava para ela ter um pouco de paz e poder fazer as suas coisas. A arte me encantava e meus pais davam muito apoio para eu conhecer a cultura. Eu venho do teatro, mas a escrita também era a minha paixão".

Antigamente, Rejane escrevia cartas e contos. Como estudava em escola pública, dentro da favela, viu seus amigos de turma entrarem para o crime e serem presos e, para não cortar o laço da amizade, empenhou-se em escrever cartas. "Junto com os amigos, amores também começaram a ser presos. Foi assim que eu comecei a me ver como poeta e entender que o que eu escrevia era poesia. O Slam hoje é a minha vida, é a minha sobrevivência".

Rejane acredita que o Slam da Minas é, principalmente, um espaço de escuta, luta e onde todos podem ser ouvidos. "Na minha história, como mulher preta, a palavra sempre foi negada. Pessoa preta não pode ter opinião, palavra, não pode ter iniciativa. Então, a escrita é a nossa forma de militância, identidade de luta. Eu sou uma pessoa preta que escreve e tem como objetivo publicar os meus escritos, porque para mulher que vem de onde venho, é uma iniciativa rara".
Por ser um projeto itinerante, segundo Tom, não há um lugar fixo para as batalhas acontecerem. O grupo divulga o local, horário e data em seu perfil do Instagram @slamdasminasrj e no Facebook. O próximo evento será realizado na Cinelândia, Centro do Rio, dia 15 de março, às 19h.