Eles têm que pagar pelo que fizeram com meu pai, disse a filha de Ivan Correia dos Santos, Ingrid Gomes dos SantosCléber Mendes/Agência O Dia

Rio - "Até quando, gente? Quantos mais pobres vão precisar passar por isso para vocês pararem de fazer isso? Entram na favela e destroem a família dos outros". O questionamento emocionado de Ingrid Gomes dos Santos e de familiares e amigos marcaram o sepultamento de Ivan Correia dos Santos, de 55 anos, no Cemitério de Inhaúma, nesta terça-feira (14). O homem foi baleado em Manguinhos, na Zona Norte, no último dia 28, mas não resitiu e acabou morrendo no domingo (12), após 12 dias internado no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro. 
Em diversos cartazes levados por pessoas próximas à vítima, foi possível ler frases como "Queremos justiça. Mais um inocente tendo a vida interrompida pelo Estado" e "Luto e luta pelas balas achadas", além de "Foi crime, não foi acidente". Parentes acusam a Polícia Militar pelo disparo que matou Ivan. Segundo os filhos, não havia confronto e PMs atiraram pelas costas do homem por acreditarem que ele tinha envolvimento com o crime organizado. Para Iverton Gomes dos Santos, o fato do pai estar bem vestido e com dois celulares foi o motivo dos agentes acreditarem que ele era traficante. 
"Como é que eles (PMs) agem normal na comunidade: veem um preto bem arrumado e estiloso, para eles é traficante. Meu pai estava de costas, com uma 'bag' (tipo de pochete) de lado, com um telefone no suporte e outro na mão, porque meu pai trabalhava para isso, tinha condições para isso. Foi nessa que eles falaram que meu pai era traficante e deram que tinha gente armada ali. Não tinha ninguém armado. Alvejaram meu pai pelas costas, assassinaram meu pai na covardia", declarou Iverton. 
De acordo com Ingrid, além de terem atirado, os policiais militares também dificultaram o socorro dele, que, segundo ela, só aconteceu quando checaram seu antecedentes criminais, cerca de 25 minutos depois que ele foi atingido nas costas e o disparo saiu pelo seu abdômen. A mulher relatou ainda que pediu para ajudar, mas foi impedida e viu o pai agonizando no chão. 
"Depois que atiraram no meu pai, foram socorrer o meu pai depois de 25 minutos, que pegaram o documento na mão da minha mãe e viram que realmente meu pai não tinha passagem, meu pai era inocente, foi aonde eles correram com o meu pai. Mas, antes disso, meu pai ficou 25 minutos agonizando no chão, a família em desespero e eu gritando: 'deixa eu socorrer meu pai' e não deixaram, só depois de 25 minutos. Quero justiça pela vida do meu pai", desabafou a mulher. 
Na ocasião, Ivan tinha fechado o lavo-jato onde trabalhava, na Rua Leopoldo Bulhões, e seguido para um bar da comunidade com a neta de 8 anos e outro filho para comprar refrigerante. Próximo ao estabelecimento, há um viaduto, de onde moradores contaram que agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) atiraram, alegando que haviam criminosos no local. Segundo Iverton, não havia confronto no momento em que o pai foi baleado e os PMs teriam entrado na favela para simular que a vítima foi atingida durante uma troca de tiros na região. 
"Meu pai está deixando uma família que dependia muito dele. É minha mãe, meus irmãos, minha sobrinhas, amigos, familiares. Meu pai tem mãe, ainda, tem noção do que é isso? Ali não tinha tráfico de drogas, não, eles deram de maluco, assassinaram meu pai, fizeram meu pai sofrer no hospital por 12 dias e ainda simularam uma troca de tiros", afirmou Iverton.
"Quero justiça pela vida do meu pai. Justiça, porque hoje a minha filha de 8 anos está precisando de um psicólogo, porque ela viu a cena toda do avô dela caído no chão. Ela que veio gritando: 'mãe, os 'polícia' mataram meu avô'. Eu quero justiça pela vida do meu pai, destruíram a minha família (...) Levaram o homem que eu amava, o meu pai, guerreiro, trabalhador, inocente. Meu Deus do céu, eu quero meu pai de volta. Eles têm que pagar pelo que fizeram com meu pai", disse Ingrid, muito abalada.
À época, o comando do Bope informou que equipes realizavam patrulhamento pela Rua Leopoldo Bulhões, na altura de Manguinhos, quando foram atacadas por disparos de arma de fogo. "Cessados os disparos, os policiais encontraram um homem ferido e o socorreram ao Hospital Souza Aguiar. Os familiares da vítima foram conduzidos pelos militares à 21ª DP para registrar o ocorrido". A corporoção ressaltou ainda que a ouvidoria "está sempre à disposição dos cidadãos", com anonimato garantido. No velório, os familiares reforçaram os pedidos por justiça.
"Eu quero ver se existe isso mesmo, se a justiça que vale para um, vale para todos. O que vale para dentro da favela, vai valer para quem mora no asfalto. Quem veste a farda e recebe para proteger a população está tirando vida após vida. Fizeram chacina em comunidade tal, mataram inocente em tal lugar, e sempre eles. É pago pelos nosso impostos e pelo Estado para tirar a vida do próprio morador. O bandido continua, o ladrão continua, o estuprador continua e o morador continua morrendo. Não está servindo de nada, para mim. Eu só quero justiça pela vida do meu pai. Não vai trazer a vida dele de volta, mas eu quero achar o culpado", completou o filho mais velho de Ivan. 
Os telefones da Ouvidoria da Polícia Militar são (21) 2334-6045/ 2725-9098. O e-mail é ouvidoria_controladoria@pmerj.rj.gov.br e o site www.cintpm.rj.gov.br 
 
*Colaborou Cleber Mendes