Paraguaios ainda foram obrigados a morar na fábrica e o espaço não contava com janelas, já que as aberturas foram cobertas com cimentoReginaldo Pimenta/Agência O Dia

Rio - O Ministério Público do Trabalho do Rio (MPT-RJ) deve ajuizar uma ação civil pública para garantir o pagamento das verbas trabalhistas e indenização aos 19 paraguaios encontrados em situação análoga à escravidão, em uma fábrica clandestina, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O dinheiro será arrecadado a partir da venda do maquinário encontrado no local, que foi alvo de uma operação da Polícia Federal, nesta segunda-feira (20). Agentes voltaram ao espaço nesta terça-feira (21), para realizar perícia e recolher o material produzido e os equipamentos utilizados na fabricação de cigarros. 
De acordo com MPT-RJ, os paraguaios foram ouvidos na Superintendência da PF e atendidos pela Cáritas Arquidiocesana, por meio do Projeto Ação Integrada. Eles foram alocados em um hotel, com alimentação e estadia garantidas até o retorno ao país de origem. As vítimas também foram encaminhadas ao Ministério do Trabalho e Previdência para darem entrada no seguro-desemprego. A volta dos trabalhadores está sendo articulada pelo Consulado do Paraguai.
Segundo o delegado Luiz Carlos da Silva Júnior, a fábrica clandestina é comandada por uma organização criminosa bem estruturada, com membros que atuam no aliciamento de estrangeiros, coação dos trabalhadores, além da produção, distribuição e recolhimento da renda proveniente da venda de cigarros. De acordo com o responsável pelas investigações, diligênciais continuam para localizar envolvidos no esquema. Até o momento, ainda não ocorreram prisões pela operação Libertatis.
"Tem toda uma estrutura criminosa bem definida, com camadas. Pessoas que aliciam lá no Paraguai, trazem as pessoas para cá, coagem as pessoas, outras que vendem os cigarros, outras que recolhem o dinheiro, tudo isso é importante para que a gente faça o nosso trabalho e responsabilize todos aqueles que perpetraram os crimes (...) Providências estão sendo tomadas e aguardamos que as respostas venham tão logo, para que os responsáveis, tanto por arresmentar essas pessoas, aliciá-las, quanto as que mantinham essas pessoas em cárcere, submetendo a trabalho dregadante, sejam responsabilizadas", afirmou o delegado.
Ainda segundo Silva Júnior, os estrangeiros vieram para o Brasil com a promessa de trabalharem oito horas por dia, em São Paulo, e não sabiam onde realmente estavam. Alguns receberam um adiantamento antes de saírem do Paraguai, entretanto, eles não receberam nenhuma remuneração pelos serviços, não puderam manter contato com familiares, tiveram seus celulares confiscados e locomoção restrita, além de não contarem com equipamentos de proteção e treinamento para operar as máquinas durante o trabalho. O grupo trabalhava todos os dias, por 12 horas, sem descanso semanal. 
Os paraguaios se revezavam em dois turnos e ainda foram obrigados a morar na fábrica. O espaço em que estavam vivendo não contava com janelas, já que as aberturas foram cobertas com cimento. O alojamento estava em condições insalubres e era divido com aproximadamente 11 cães e gatos. No local, havia apenas um banheiro, que foi encontrado muito sujo, e a água utilizada para o banho estava contaminada, o que deixou muitos deles com problemas de pele. Havia também comida estragada. 
Nos depoimentos à Polícia Federal e ao Ministério Público do Trabalho, os paraguaios contaram que só tinham contato com uma única pessoa, que andava armada e mascarada, e era responsável por levar mantimentos para eles. De acordo com o delegado, o grupo relatou que nunca havia tentado fugir por conta das ameaças e do monitoramento constante, que contava, inclusive, com sistema de câmeras de segurança. 
"Há filmagens, há vigilância, monitoramento de câmeras de vigilância. Tudo isso denota que essas pessoas realmente estavam coagiadas, ameaçadas e tinham medo de fugir. Elas acreditavam estar em São Paulo, elas não sabiam onde estavam, não tinham a ideia de fugir, elas eram permitidas de ficar só nessa região aqui (da fábrica), nem podiam ir lá para frente. Perguntei por quê não fugiram, simplesmente porque existe uma ameaça velada de que poderiam ser mortos, tinham medo de morrer, rezavam todo dia para se manterem vivos, para sobreviveram à essa situação".
Os cigarros produzidos na fábrica clandestina de Caxias são da marca Gift, que têm a comercialização proibida no Brasil, tanto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quanto pela Receita Federal. O titular das investigaões apontou que a venda e consumo desses produtos, além de contribuir com o tráfico de pessoas e a situação de trabalho análogo à escravidão, colabora com a fraude no comércio, sonegação por falta de fornecimento de nota fiscal, delito contra as relações de consumo e risco à saúde pública. 
"É um produto falsificado, inidôneo, inautêntico. Provavelmente, também traz risco à saúde pública, porque a Anvisa não autorizou a comercialização, a Receita tão pouco, há sonegação fiscal. Esse comércio ilícito de cigarros, algo muito comum aqui, chamado de "máfia dos cigarros" ou dos "cigarreiros", é uma conduta muito grave dentro do Estado Democrático de Direito, porque sonega tributo, põe em risco essas pessoas que estão aqui trabalhando, existe uma violência inerente por parte desses membros da organização criminosa, que fazem todo o controle ameaçador dessas pessoas que trabalham. Inclusive, na região, muitas pessoas sequer conversam com o policial direito, porque se sentem ameaçadas", ressaltou. 
*Colaborou Reginaldo Pimenta