Restaurante Tuia Café é criado por moradores da ocupação Manoel Congo, no Centro do Rio, com o objetivo de ajudar nas contas Divulgação

Rio - Raquel Pinheiro dos Santos, de 41 anos, saiu do Piauí e veio para o Rio em busca de uma vida melhor. Ao chegar na cidade, começou a trabalhar com o seu tio, que era comerciante, e morava no Caju, bairro da Zona Portuária, onde pagava aluguel. Com o sonho da casa própria e uma condição financeira não tão boa, Raquel conheceu a ocupação Manoel Congo, no Centro, antigo prédio do INSS, em 2007 e decidiu se mudar para o local com o seu marido e seus dois filhos. Hoje, ela é uma das idealizadoras do Tuia Café, restaurante cultural dentro da ocupação, criado e gerenciado por 10 famílias, com o objetivo de manter os custos básicos do espaço.

"Quando eu conheci o movimento, eu entendi que eu tinha que lutar pelo direito à moradia. Passei a entender mais sobre o assunto e a importância da casa própria. Para mim, isso aqui se tornou mais do que minha casa hoje. É aqui onde trabalho, moro e criei meus filhos, que vieram para cá com dois e quatro anos, hoje estão com 18 e 21 anos. Engravidei da minha terceira na ocupação, agora ela tem cinco anos. Estamos muito felizes e satisfeitos", disse Raquel.

Com o restaurante, ela explicou que consegue ajudar o seu marido em casa, com as contas. "Meus filhos já trabalham fora, meu marido também. Com esse estabelecimento consigo fazer o que eu amo e ainda ajudar a minha família. Para a gente, morar nessa região é ótima, porque também é perto dos outros empregos, facilitando e nos dando qualidade de vida".
Para Raquel, que sempre trabalhou atendendo o público, o Tuia Café não é apenas um trabalho, mas uma realização: "É algo que estamos construindo juntos, então a gente consegue dar conta de tudo um pouco. Eu sou a atendente, caixa, faxineira, tudo que precisar".

A moradora e liderança da ocupação, Maria de Lourdes Lopes, conhecida como Lurdinha, 63, informou que o sonho de ter um restaurante no primeiro andar já existia desde 2007: "Quando nós ocupamos, a gente não usou nem o primeiro nem o segundo andar porque já estávamos pensando em um propósito para esses andares, algo que pudesse ser transformado em fonte de renda. Chegamos a pensar em um estabelecimento que oferecesse comidas típicas regionais, cada dia sendo um prato, com fins de semana repletos de samba, por exemplo. Então, a gente vem construindo esse cenário há um tempo, mas nunca tínhamos conseguido abrir sistematicamente. Abríamos esporadicamente mesmo, de acordo com a nossa capacidade de mutirão".

Antigamente, o Tuia abria aos fins de semana para feijoadas, segundo Lurdinha, com mesas na calçada pois não havia condição de receber clientes dentro da ocupação pela falta de piso: "O prédio estava bem danificado. Em 2014 não conseguimos evoluir na obra e tivemos que migrar para o programa Minha Casa Minha vida e entidades. Nessa época, eles proibiam qualquer tipo de investimento que não fosse unidades habitacionais. Por isso, não podíamos colocar nada no espaço de geração de renda, que era o primeiro e segundo andar. Continuamos aos poucos limpando, arrumando e fazendo atividades esporádicas na ocupação".

Mesmo com os contratempos, as famílias da Ocupação Manoel Congo continuaram sonhando e projetando que em algum momento iam conseguir uma linha de fomento em alguma política pública. "Quando a gente percebeu que não dava mais para usar os andares, ficamos muito cansados e resolvemos abrir mão do térreo. Íamos tentar a possibilidade de fazer locação para ajudar a pagar o condomínio, mas nunca abrimos mão de sonhar com um café no segundo andar", completou Lurdinha.

Quando começaram a tentar alugar os espaços, em menos de 10 meses, uma rede de amigos abraçou o projeto do Café. "Decidimos abrir mão do térreo, tentar locação e investir no segundo andar para o restaurante. A gente queria que fosse um lugar que tivesse reserva de alimento, futuro, felicidade. Aí veio a pandemia e ninguém podia mais sair de casa, as pessoas estavam desempregadas, então enfiamos a cara na obra de qualquer jeito. Qualquer trocado que aparecia a gente comprava tinta, por exemplo. Fizemos tudo em setembro de 2021 e abrimos o nosso restaurante no dia 7 de setembro do ano passado, como nosso grito de independência", disse.

Desde o ano passado, o Tuia Café é aberto para refeições de Café, lanche e almoço. "Ainda temos o propósito de abri-lo aos fins de semana, com comidas típicas e tudo mais, continua com um plano. Graças a Deus e com fé, hoje somos 10 famílias empenhadas nessa empreitada, com um grande sonho de aumentar o ponto e trazer para dentro da ocupação ainda mais famílias que quiserem colaborar junto. No começo sonhamos todos e nos frustramos todos. Mas temos a esperança de que em breve muita gente vai estar participando disso aqui dentro com a gente".

A Secretaria Municipal de Habitação informou, por meio de nota, que 4.451 pessoas recebem hoje o Auxílio Habitacional Temporário. De acordo com o secretário municipal de Habitação do Rio, Patrick Côrrea, a Ocupação Manoel Congo é um exemplo de sucesso que pode ser replicado em outros imóveis que estejam sem uso no Centro.

Sobre a questão de projetos de moradia, ele afirmou que há alguns em andamento. "Temos obras no conjunto da Frei Caneca e outro no Chapéu Mangueira, além dos projetos Minha Casa Minha Vida. Assim que o programa for liberado em Brasília, seremos o primeiro município do país a construir. Já temos dezenas de terrenos mapeados e sabemos quantas unidades habitacionais poderemos erguer em cada um deles", afirmou Patrick.

Ele também parabenizou a iniciativa do Tuia Café: "Ela une habitação, emprego e geração de renda num único lugar. Esse é um modelo de sucesso que vamos replicar".

O espaço fica hoje na sobreloja e serve diariamente almoço, com preço acessível, feito e servido pelos próprios moradores da ocupação.

A ocupação

Localizado próximo a Câmara dos Vereadores e o Theatro Municipal, a Ocupação Manoel Congo se tornou um símbolo na luta por moradia. Coordenada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), as iniciativas para ocupar o prédio iniciaram em 2007. O nome surgiu em homenagem ao líder quilombola Manoel Congo, responsável por uma rebelião de escravos no Vale do Paraíba Fluminense. Manoel liderou a libertação e resgate de centenas de africanos escravizados explorados nas fazendas de café da região.

"É uma ideia que faz parte de uma visão de cidade, onde moradia e trabalho são condições de permanência. Quando ocupamos no Centro do Rio, já foi algo estrategicamente pensado por causa da infraestrutura já existente no local e da possibilidade de trabalho para pessoas vindas de favela e periferia. A ideia de ter espaço de renda e local de moradia, e a moradia ser implantada em um local estruturado, já faz parte de uma luta nossa", disse Lurdinha.

De acordo com ela, a mensagem que eles querem passar é que a moradia é um direito e deve ser acessível a todos os seres humanos: "Enquanto moradia for mercadoria, ela não será acessível. Para todas as famílias terem, ela precisa ser desmercantilizada, ou seja, precisa passar por um processo de construção de política pública muito sério, comprometido com o direito da pessoa humana. O pobre, trabalhador, mora muito longe do local de trabalho. Esse deslocamento é prejudicial para todo mundo. Então, o que a gente quer dizer é que o melhor lugar para se morar é perto do trabalho, em locais estruturados"