Alguns dos integrantes do grupo Som Doce da Grota: a professora Lenora Mendes com Carlos Rodrigues, Fernando Brasil, Mylena Fernandes e Camilli DiasReginaldo Pimenta / Agência O Dia

Rio - Os ensaios do Som Doce da Grota ultimamente estão permeados de discussões não apenas musicais, mas também de ordem administrativa. Enquanto Camilli Dias comenta com os colegas ao final da execução de um lundu que o grupo está deixando o ritmo cair - "Temos que parar de ralentar, gente" - Fernando Brasil vira-se para a professora Lenora Mendes e diz: "Podemos oferecer dois concertos pelo preço de um".

A sugestão é para convencer um contratante a pagar o valor solicitado para uma apresentação, num esforço de corrida contra o tempo para conseguirem a verba necessária para irem aos Estados Unidos participar do Boston Early Music Festival, um dos eventos mais importantes do mundo dedicado à música antiga. A carta-convite eles já tem em mãos, faltam os cerca de R$ 25 mil para estarem lá representando o Brasil. A campanha de arrecadação por PIX (21 97628-4616) está andamento.

"É isso mesmo, vamos de promoção. Pague um, leve dois", concorda Carlos Rodrigues.
E o ensaio prossegue, com todos de olho nas partituras enviadas pela organização do festival para a realização do concerto, que está previsto para acontecer no dia 11 de junho, no New England Conservatory of Music. Um sinal de prestígio e reconhecimento para o conjunto de flauta doce formado pela professora Lenora com sete alunos da Orquestra da Grota, o projeto social fundado em 1995, na comunidade da Grota, em Niterói.

"Vai ser uma oportunidade única. É um dos festivais mais tradicionais do mundo e, além dos concertos, vamos poder participar de workshops e feira de instrumentos", diz Lenora, para a surpresa dos próprios alunos, todos fissurados na flauta doce, um instrumento medieval.

"Vai ter feira de instrumentos?!", pergunta Carlos.

"Sim. Até aquelas flautas de osso têm por lá, que eles fabricam a partir de informações de documentos antigos", esclarece Lenora.

Pronto. Todos ficaram ainda mais motivados.

"Vai ser incrível. Uma oportunidade de troca com grupos do mundo todo. Vamos voltar com muito mais conhecimento", anima-se Fernando.

Repertório de música antiga

O grupo Som Doce da Grota foi criado pela professora Lenora Mendes, em 2019, para explorar com os alunos um repertório mais complexo para a flauta doce. Além dela, o conjunto tem outros seis integrantes, entre 17 e 29 anos, todos alunos do Espaço Cultural da Grota. Lenora explica que a flauta doce se desenvolveu entre os séculos 15 e 18, caindo em desuso com o crescimento das orquestras, que passaram a privilegiar outros instrumentos.

"No século 20, começou a haver um movimento de retomada dessa tradição, a partir do repertório antigo de música barroca, medieval e da época da Renascença", conta.

O grupo Som Doce da Grota se dedica ao estudo dessas composições. A sonoridade, que mescla diferentes timbres de flauta doce, propõe uma volta ao tempo, o que encanta Mylena Fernandes.

"Se eu não fosse musicista eu acho que iria me profissionalizar à História. Eu gosto muito. Desde criança eu acompanho as novelas de época e, de vez em quando, apareciam grupos de flauta como figurantes e isso sempre me atraiu. Com a flauta doce, além de estudar música, eu sinto que estou aprendendo sobre outras épocas, porque eu gosto de pesquisar sobre os compositores, as influências que tiveram", diz a jovem flautista.

Vaquinha virtual

A ida para os Estados Unidos será a primeira viagem internacional do conjunto. A viagem foi orçada em R$ 50 mil. A metade o grupo já conseguiu a partir de doações pessoais e outros meios de arrecadação, como a rifa de uma air frier, que rendeu R$ 4 mil, e as apresentações públicas, na qual aproveitam para divulgar a campanha de financiamento. As próximas vão acontecer no Solar do Jambeiro, no dia 26, e na Sala Nelson Pereira dos Santos, em 19 de maio, em Niterói. Este último espaço terá a renda da bilheteria revertida para a vaquinha.

"Já conseguimos tirar os passaportes. Falta conseguirmos os vistos, e principalmente as passagens aéreas. Precisamos arcar ainda com os custos da alimentação, embora a gente saiba que, conseguindo o restante, vamos nos alimentar como der. Se tiver que ser aqueles sanduíches prontos que vendem em supermercados, não tem problema. A gente vai dar um jeito", diz Paulo Tarso, diretor presidente do Espaço Cultural da Grota.