Cozinha do Hospital Federal do Andaraí gasta R$ 1,5 milhão por mês com transporte de comido devido à obra inacabadaReprodução/Redes Sociais
Comissão realiza fiscalizações em institutos e hospitais federais do Rio
Visitas técnicas encontraram diversas irregularidades, como falta de profissionais, leitos fechados e problemas em infraestrutura
Rio - A Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados realizou quatro dias de visitas técnicas aos hospitais e institutos federais da cidade do Rio de Janeiro. A medida teve como objetivo conhecer a estrutura e as potencialidades, para tentar solucionar a ineficiência das unidades de saúde. As ações aconteceram entre a sexta-feira (14) e esta segunda-feira (17) e identificaram problemas e irregularidades em todos os locais visitados.
De acordo com o deputado federal e ex-secretário municipal de Saúde do Rio, Daniel Soranz (PSD), o pedido para as visitas foi feito logo após a fiscalização no almoxarifado do Ministério da Saúde em São Paulo, onde foi descoberto que R$ 2,2 bilhões em medicamentos e vacinas foram incinerados, entre 2019 e 2022, valor que poderia ter sido utilizado para melhorias na infraestrutura de todos os hospitais federais do país. No local, havia ainda 75 mil unidades de insumos que perdem a validade nos próximos três meses e outros em oito.
As visitas no Rio começaram na sexta-feira pelo Hospital Federal de Bonsucesso, na Zona Norte, que está com a Emergência fechada desde outubro de 2020, após um incêndio no local. Com a fiscalização, a Comissão espera estebelecer um planejamento com data para a reabertura do setor. Em seguida, a CFFC esteve no Hospital Federal Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, e foram constatados problemas de infraestrutura e mais de 12 pacientes internados em cadeiras nos corredores, apesar de haver mais de 28 leitos vazios aguardando regulação.
Na visita ao Hospital Federal da Lagoa, na Zona Sul, foram identificados 92 pacientes fantasmas no Censo Público Hospitalar. Apesar de constarem como ocupados no sistema de regulação, os leitos em que eles deveriam estar estavam vazios. A unidade registrou ainda uma taxa de ocupação de 78%, quando estava com 41% e andares inteiros praticamente desocupados. "Uma clara tentativa de manipular o sistema para aumentar a taxa de ocupação do hospital", afirmou Soranz, que destacou que fraudes como essa nunca foram relatadas nos dez anos da plataforma da Secretaria Municipal de Saúde do Rio.
No domingo (16), no Hospital Federal do Andaraí, na Zona Norte, uma família relatou que estava pedindo por cuidado médico para uma paciente e quando a Comissão foi até o leito dela, a mulher já estava sem vida há algumas horas. "Uma situação muito crítica, nunca a gente poderia esperar que dentro de um hospital federal que já foi referência nacional, ia ter paciente morrendo sem cuidados médicos e sem médico para dar o atestado para família e explicar o que estava acontecendo", disse o parlamentar.
O hospital também estava sem ortopedistas no fim de semana e chegou a dispensar pacientes que buscaram por atendimento. Ainda na unidade, as obras da Emergência, que está fechada desde 2012, estão paralisadas, bem como as da cozinha, que está destruída e armazenando materiais de reforma. Por conta da falta de operação do espaço, há um gasto mensal de aproximadamente R$ 1,6 milhão com o transporte de comida para o local. Há ainda uma obra em atraso no setor de radioterapia, determinada pelo Ministério Público Federal (MPF), para suprir o déficit do tratamento.
O Hospital Federal dos Servidores do Estado, no bairro da Saúde, no Centro do Rio, que tem o maior ambulatório do país, foi encontrado em "situação assustadora" e "profundamente deteriorado", segundo o deputado. Na unidade há falta de recursos humanos e grande quantidade de leitos que não foram ativados ou teriam potencial, mas não constam no Censo Público Hospitalar. Haviam ainda 68 camas novas e de alta qualidade trancadas entre lixo, goteiras e equipamentos inservíveis, onde deveria funcionar uma enfermaria. No local, a fiscalização se deparou ainda com pombos, ratos e morcegos em áreas fechadas.
No Instituto Nacional de Cardiologia (INC), também foi constatado leitos fechados por conta do déficit de recursos humanos, assim como no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), o que aumenta o tempo de espera na fila por atendimento e cirurgias. As visitas terminaram no Instituto Nacional do Câncer (Inca), que aguarda pela construção de uma nova unidade desde 2012. As obras, orçadas em R$ 200 milhões, já haviam sido iniciadas, mas acabaram paralisadas. "Não é por falta de recurso, é por falta de competência na gestão. Não é possível ter R$ 2,2 bilhões incinerados e ter um hospital como esse em obra parada".
O Rio de Janeiro tem a maior rede federal do Brasil, contando com seis hospitais e três institutos, sendo eles o Hospital Federal do Andaraí; Hospital Federal de Bonsucesso; Hospital Federal de Jacarepaguá Cardoso Fontes; Hospital Federal de Ipanema; Hospital Federal da Lagoa; Hospital Federal dos Servidores do Estado; Instituto Nacional de Câncer (Inca); Instituto Nacional de Cardiologia (INC); e o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into).
A Comissão também pretende visitar, em breve, os hospitais universitários Clementino Fraga Filho, no Fundão; Gaffrée e Guinle, na Tijuca; e Antônio Pedro, em Niterói. "O objetivo dessa Comissão é apresentar para toda a sociedade a situação catastrófica que essas unidades vivem, mas, principalmente, solicitar um plano com data, com tempo, com um planejamento estruturado pelo Ministério da Saúde de como e quando resolver esses problemas. É importante que o Ministério assuma essas unidades com uma prioridade política, técnica, que as autoridades do Ministério possam estar visitando e conhecendo esses problemas de perto", completou Soranz.
Para a especialista em Gestão de Saúde, Chrystina Barros, a crise na rede federal foi agravada pela falha na contratação de profissionais. Segundo ela, o Ministério da Saúde não realiza concurso público para contratação de servidores desde 2005 e desde então, vem atuando com funcionários por contratos temporários de um ou dois anos, mas que acabam se estendendo por dez anos, sem garantia de renovação.
"Infelizmente, essa é uma crise que mostra, de maneira muito contundente, o que acontece quando não se cuida de pessoas. Não adianta haver investimento na infraestrutura, no prédio, no equipamento, se as pessoas não forem cuidadas. Isso passa desde o dimensionamento, à forma de contratação e a proposição de um plano de cargos e salários e desenvolvimento desses profissionais", explicou a especialista, que ressaltou o risco de um déficit de recursos humanos ainda maior com a aposentadoria de servidores.
"Tudo começa no diagnóstico, diagnóstico da infraestrutura, mas diagnóstico das pessoas. Nesse momento, não podemos deixar de olhar para aqueles profissionais que muito em breve estarão se aposentando e deixando o serviço público. Se fizermos a contratação olhando exclusivamente para o momento atual, significa que daqui a um mês teremos novamente problemas, porque esses profissionais serão destacados para cobrir aqueles que já começam a se afastar do serviço, porque já deram seu tempo de contribuição e trabalho para a população", continua Barros.
"De imediato, é fundamental que haja contratação de profissionais, mas que se contrate profissionais dimensionados de maneira adequada. Esses profissionais, se chegam para abrir leitos, não podem suprir a deficiência de escalas de outros setores que já estão funcionando. Isso tem que partir de um levantamento feito com muita transparência, de que hospitais, que setores, quantos leitos estão prontos, do ponto de vista de infraestrutura, para poder receber esses profissionais", completou.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que "diante da situação crítica encontrada nas unidades federais do Rio de Janeiro, a atual gestão reabriu mais de 300 leitos, ampliando o atendimento para população em diversas especialidades". A pasta afirmou que segue "trabalhando para reabrir vagas e reconstruir o complexo de saúde federal após o desmonte que ocorreu na gestão passada".
Ainda de acordo com o MS, "a situação crítica, falta de estrutura, déficit de profissionais, de leitos e desassistência nos hospitais federais" foram identificadas em um diagnóstico feito pela pasta após vistoria nas unidades em fevereiro deste ano. O relatório aponta que 593 leitos estavam quebrados ou inadequados em todos os seis hospitais federais.
"Na última sexta-feira (14), foi instituído um grupo de trabalho com objetivo de prestar apoio institucional no desenvolvimento e avaliação das ações de atenção à saúde. O grupo trabalha na elaboração de um plano de emergência para combater os problemas na rede hospitalar federal do Rio de Janeiro. O Ministério da Saúde reafirma o seu compromisso em recuperar o atendimento de qualidade e a referência em alta complexidade dos hospitais federais para a população do Rio de Janeiro, além de reduzir o tempo de espera por cirurgias e outros procedimentos", completou a nota.
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