Motorista, suspeito de intolerância religiosa, arrancou com o carro depois de não deixar família vestida com trajes do Candomblé entrar em seu veículoReprodução

Rio - A Polícia Civil investiga um motorista de aplicativo que se recusou a transportar uma família com trajes religiosos em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no sábado (29). De acordo com a empresária Tais da Silva Fraga, ela estava acompanhada de suas duas filhas, de 8 e 13 anos, quando solicitou a viagem para ir a um terreiro, mas o suspeito não quis levá-la por conta da roupa que as três estavam usando.
Ao DIA, Taís contou que o motorista foi extremamente grosseiro e não deixou que a família entrasse em seu veículo. Uma das filhas da empresária já estava com um dos pés dentro do carro quando o homem impediu sua entrada.
"Nós sofremos uma grande intolerância religiosa. Solicitamos um Uber para nos levar a um terreiro que fica a cinco minutos da minha residência. Nós estávamos indo para uma cerimônia vestidas com as roupas de santo. Eu, minhas filhas e a minha sogra. Quando o Uber chegou, ele viu a minha sogra, que não estava com a roupa de santo. A única que não estava. Ela já estava embarcando no carro. Quando ela olhou para o lado esquerdo, que era o lado em que nós estávamos, ele se recusou a levar a gente e se recusou a deixar a gente embarcar. Minha filha menor já estava com o pé dentro para o embarque. Foi muito constrangedor. Nós tivemos que sair. Eu perguntei para ele o porque que ele não queria levar a gente e ele repetiu que não ia levar, que a gente não poderia embarcar no carro dele. Eu solicitei que ele fizesse o cancelamento porque a gente já tinha pago pelo aplicativo no cartão e ele foi extremamente grosseiro. Falou para eu me virar com a Uber, que eu fizesse o cancelamento e arrancou com o carro. Logo em seguida, ele mesmo fez o cancelamento da viagem", explicou.
Motorista de aplicativo recusa levar família vestida com trajes do Candomblé em Duque de Caxias; Polícia investiga o caso.

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Tais relatou que, após a recusa do motorista, as filhas ficaram com medo de entrar em outro carro solicitado para ir ao terreiro.
"Automaticamente entrou um outro motorista que aceitou a viagem, mas eu tive um constrangimento muito grande porque a minha filha não queria embarcar no próximo Uber que aceitou a viagem porque ela ficou com medo dele fazer a mesma coisa, não deixar a gente embarcar e passar por tudo que a gente passou. Nos dias de hoje, é inaceitável uma coisa dessas. É uma crueldade fazer isso, qualquer tipo de preconceito com o ser humano", completou a empresária.
A ocorrência foi registrada na 59ª DP (Duque de Caxias) e encaminhada à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), que investiga o crime de intolerância religiosa. A família será ouvida novamente na distrital e os agentes apuram a localização do motorista.
Em nota, a Uber afirmou que não tolera discriminação e a conta do suspeito está suspensa enquanto o caso está sendo investigado.
"A Uber não tolera qualquer forma de discriminação. Em casos dessa natureza, a empresa encoraja a denúncia tanto pelo próprio aplicativo quanto às autoridades competentes e se coloca à disposição para colaborar com as investigações, na forma da lei. A conta do motorista parceiro já foi temporariamente desativada, enquanto aguardamos pelas apurações", informou a empresa.

"A Uber busca oferecer opções de mobilidade eficientes e acessíveis a todos. A empresa reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o aplicativo", concluiu.
Organizações repudiam atitude de motorista
O caso ganhou grande repercussão entre representantes das religiões de matriz africana. O Babalawô e professor do programa de pós-graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivanir dos Santos, destacou que as pessoas que seguem religiões como Candomblé e Umbanda vivem em uma realidade de extrema intolerância.
O professor, que é representante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), uma organização sem vínculo com outros órgãos e formada por representantes da sociedade civil, do Ministério Público do Rio, da Polícia Civil e do Tribunal de Justiça, completou que o caso de Caxias precisa ser apurado para evitar que novas situações voltem a acontecer.
"Infelizmente a intolerância religiosa faz parte do cotidiano dos adeptos das religiões de matrizes africanas. Uma realidade cheia de violências simbólicas, físicas e psicológicas que coloca em questão os nossos direitos religiosos em um Estado que é constitucionalmente laico. Não podemos admitir que casos como esses continuem acontecendo em nossa sociedade. É preciso apuração sobre os casos", disse.
Já a diretora do Instituto Expo Religião, Luzia Lacerda, contou que a associação possui conhecimento que em quase todos os finais de semana há algum caso de intolerância na Baixada Fluminense, principalmente em Duque de Caxias. Segundo ela, o instituto defende o respeito pela diversidade religiosa, abordando que cada pessoa tem o direito de exercer o seu livre arbítrio e escolher a sua própria religião.
"A nossa luta é pelo respeito a diversidade religiosa, ou seja, independente da religião que você tenha, você tem que respeitar a religião de seu próximo. Isso se chama livre arbítrio e você recebe ao nascer. Você tem o direito de escolher e eu tenho que respeitar. A pessoa opta por uma religião. Ali no caso, nós estamos vendo que é uma religião de família aonde estavam a avó, a mãe e as duas netas. Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que esse não é um caso isolado. Nós temos informações, principalmente na Baixada Fluminense e em Caxias, que isso acontece quase todos os finais de semana, se não em todos quando os terreiros estão tocando. Mesmo que a pessoa não esteja de baiana com a roupa. Esteja simplesmente com os fios de conta. Os motoristas não estão levando as pessoas. Eles falam da religião deles, que na maioria são evangélicos, e soltam coisas do tipo "tá marrado" e não levam", contou a diretora.
Luzia ainda informou que existe um projeto de lei aguardando votação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que pode contribuir com a diminuição dos casos de intolerância religiosa. De acordo com ela, o projeto tende a criar uma taxa administrativa multando a pessoa e a empresa que realizar qualquer tipo de discriminação relacionada a religiões, independente se as investigações sobre o caso terminaram ou não. Para Luzia, a aprovação desse projeto irá pesar no bolso dos envolvidos, o que pode fazer com que os casos de intolerância diminuem. 
*Reportagem com o estagiário Fred Vidal, sob supervisão de Raphael Perucci