Motorista, suspeito de intolerância religiosa, arrancou com o carro depois de não deixar família vestida com trajes do Candomblé entrar em seu veículoReprodução

Rio - Templos incendiados e profanados, destruição de imagens sacras e direito de ir e vir vedado. A realidade de quem pratica alguma religião de matriz africana no Brasil é o medo. No último sábado (29), a empresária Tais da Silva Fraga estava acompanhada de suas duas filhas, de 8 e 13 anos, e sua sogra, quando teria sido impedida de embarcar em um carro de aplicativo porque estavam vestidas com roupas do candomblé. Para o pai de santo Celinho de Obaluaiyê, que esperava pelas mulheres em seu terreiro, o crime não pode ficar impune.
"Nossa casa é fundada desde 1978 e essas meninas, tanto a mãe quanto as duas crianças, são iniciadas por mim. Me dá muito orgulho saber saber que as gerações de uma família foram iniciadas em nossa casa. Nunca havia vivido ou presenciado nenhum caso de intolerância. Agora, me ocorreu esse episódio. Foi um constrangimento muito grande, traumatizante. Até quando seguiremos em uma religião que não podemos praticar? No terreiro escutam orientações, conselhos, doutrinas e praticam a sua fé, enquanto do lado de fora são condenadas. Isso não é admissivel", afirmou o religioso.
Imagens gravadas por uma câmera de segurança da rua flagrou o momento em que a família tenta embarcar no veículo, mas é impedida. Ao DIA, Taís disse que o motorista foi extremamente grosseiro e logo depois arrancou com o carro. "Nós estávamos indo para uma cerimônia vestidas com as roupas de santo. Eu, minhas filhas e a minha sogra. Quando o Uber chegou, ele viu a minha sogra, que não estava com a roupa de santo. Ela já estava embarcando no carro. Quando ele olhou para o lado esquerdo, que era o lado em que nós estávamos, ele se recusou a levar a gente e se recusou a deixar a gente embarcar. Minha filha menor já estava com o pé dentro para o embarque. Foi muito constrangedor", afirmou.
Para o pai de santo, o constrangimento sofrido pode impactar diretamente a vida da família e, principalmente, a criança e a adolescente. "Imagine uma mãe educar seus filhos com todo o cuidado e, de repente, sofrer um constrangimento desse, é brutal. Elas chegaram muito nervosas e eu tentei acalmá-las. Para uma criança, presenciar isso reflete na formação com seus colegas e, quem sabe, pode até gerar bullying. Elas são tão bem cuidadas, têm uma relação boa com a familia, com a escola e ficaram traumatizadas", contou.
Ainda de acordo com Celinho, o triste episódio tem que servir de exemplo para que a intolerância religiosa acabe de uma vez por todas: "O sentimento que tive foi de que os orixás, de uma forma saudável e positiva, acabaram usando a Taís. Ela é uma mulher de personalidade forte, determinada, e foi usada para lutar pela causa. Talvez, se fosse uma outra pessoa, poderia ficar tão oprimida e constrangida a ponto de não denunciar e levar o caso à Justiça. Com a graça de Deus e dos Orixás, elas estão muito bem assistidas".
Lei impede recusa de passageiros por intolerância com multa de R$ 50 mil
Em dezembro de 2022, o prefeito Eduardo Paes sancionou a Lei 7.690, que determina que motoristas de carros de aplicativos não poderão recusar passageiros por razões religiosas, políticas, raciais ou por orientação sexual na cidade. O texto ainda diz que cada empresa deverá informar aos motoristas, no ato da seleção, sobre a cláusula contratual que impede a recusa de passageiros nesses casos. As empresas que descumprirem essas obrigações serão multadas em R$ 50 mil. A autoria é dos vereadores Átila A. Nunes, Reimont, Chico Alencar, Monica Benicio, Dr. Marcos Paulo, Rocal e Marcio Ribeiro.
Ao DIA, o deputado Átila Nunes (MDB) afirmou que, junto com o vereador Átila Alexandre Nunes (PSD), vai representar ao Ministério Público do Rio (MPRJ) uma denúncia contra a Uber pelos reiterados casos de intolerância religiosa não solucionados. "A Uber faz vista grossa ao apenas suspender o motorista remporariamente, deixando esfriar o assunto e depois deixando voltar como colaborador. É óbvio que quem recusa uma corrida por conta de religião, raça ou sexualidade é fanático e não pode continuar prestando os serviços", afirmou o deputado.