Mário Nishimura, morador em situação de rua, capta energia solar para realizar reparos em aparelhos celularReginaldo Pimenta / Agencia O Dia

Rio - Em frente ao prédio do Ministério Público estadual, no Centro do Rio, um homem em situação de rua carrega equipamentos que chamam a atenção. Ao lado do carrinho em que guarda objetos pessoais, há três placas para captação de energia solar. Elas ficam sobre uma estrutura improvisada de isopor, apontadas para o céu. Conectadas a elas, celulares. Descendente de japoneses, Mario Nishimura, de 44 anos, vive nas ruas do Rio há nove anos. E conserta aparelhos ali mesmo, na calçada, com energia que ele próprio gera, sem cobrar pelos seus serviços.

"Encomendei essas placas de energia solar pela internet, a 33 dólares cada. Pedi para que fossem entregues no endereço de um conhecido, que as recebeu e me entregou. Precisei fazer isso porque não há disponibilidade de locais públicos com fornecimento de energia elétrica", diz Nishimura, que nasceu em São Paulo.

Com a energia que gera com as placas, faz reparos em celulares. Ele sobrevive com a renda de benefício do governo federal e diz que não cobra pelos seus serviços: "Foi assim que decidi, porque as pessoas que trabalham com isso cobram muito caro. Quero poder ajudar as pessoas".

Funcionário da portaria do MP, José Carlos Monteiro, de 54 anos, foi um dos que precisaram de seus serviços. Ele conta que seu aparelho tinha apagado, não mostrava nenhuma imagem na tela e, quando o fazia, os ícones apareciam desfocados. Ao observar Nishimura montando e desmontando equipamentos eletrônicos diariamente, resolveu entregar-lhe o celular.

"Eu já tinha dado o aparelho como perdido. Resolvi levar até a ele para que pudesse dar uma olhada. Ele se prontificou a ver. Não combinamos combinamos nenhum pagamento, nenhum valor. Dali a pouco ele me entregou o aparelho em perfeito estado. Foi ótimo, porque eu deixei de gastar um dinheiro que iria me fazer falta", conta José Carlos que, satisfeito, mostra na tela a foto da neta lhe desejando um bom dia.

"Olha, que legal! Está perfeito agora. E ainda recebo esta bela mensagem da netinha".

O pagamento foi um almoço.

"Se quiserem me dar alguma gorjeta, algo assim, eu aceito, mas não cobro pelos meus serviços", diz Nishimura, que prefere manter-se isolado das demais pessoas em situação de rua que vivem na região.

"Ele está sempre sozinho com as coisas dele. Não se mistura e é até um pouco arredio com os outros que moram na rua. Mas ele é um cara puro, é do bem, não tem vícios e nem cigarro fuma", diz José Carlos.

O conhecimento para mexer nos aparelhos Nishimura conta que adquiriu pesquisando na internet, no próprio aparelho celular que mantém conectado a uma das placas de energia solar. O sinal de internet ele consegue mais adiante, nas imediações do prédio da Defensoria Pública do Estado do Rio. O conserto que realiza com maior frequência é a troca de tela de celular.

"Quando é necessária alguma peça específica, a pessoa me dá o dinheiro e vou comprá-la para poder realizar o reparo. Entrego tudo certinho, em perfeito estado".
Em suas pesquisas na internet, acompanha o PIB de países desenvolvidos e em desenvolvimento - "praticamente todos caem, menos o dos Estados Unidos". E diz que se preocupa com o crescimento populacional no mundo: "Há 100 anos, eram quatro bilhões de habitantes". 
"Hoje são mais de seis bilhões, né?", interpela o repórter. "Não, são quase oito bilhões", responde Nishimura, que acrescenta:
"Cada país tem uma certa capacidade quantitativa populacional para que as pessoas vivam bem. Os governos têm que prestar atenção, especialmente as nações pobres. Senão, teremos problemas de habitação e de violência. O governo precisa criar maneiras de assegurar que as crianças possam crescer em locais adequados, ao lado de pessoas adequadas", defende Nishimura.

Fascínio por lâmpadas na infância

O interesse pelos equipamentos elétricos e eletrônicos vem da infância. Mario Nishimura conta que, nessa época, seu fascínio era com as lâmpadas. Gostava de observá-las acesas e imaginar seus mecanismos. Aos 18 anos, quando viajou ao Japão, conheceu os painéis de luz de LED branca e se interessou por seu funcionamento: "Isso foi há cerca de 25 anos. A tecnologia ainda estava longe de chegar aqui".

No Japão, viveu entre idas e vindas, de 1997 a 2008. Um dos trabalhos que teve e que mais o interessou foi desmontar portas, portões e janelas de alumínio para que o material fosse, em seguida, transformado em novos equipamentos produzidos pela empresa em que trabalhava. "Eu gostava muito desse serviço. Se ainda fosse possível, estaria nele até hoje".

Apesar da facilidade para aprender e realizar trabalhos manuais, Nishimura conta que não teve uma boa educação em São Paulo. E que os pais não lhe davam atenção.

"Ficaram sete anos sem me dirigir uma palavra. Tive dificuldades na escola e demorei um bom tempo a desenvolver uma consciência própria. Não tive atenção", diz.

Nishimura ainda relata problemas no mercado de trabalho, o que o desestimula a procurar emprego.

"Não quero passar de novo por experiências passadas, em que as pessoas não me tratavam bem porque simplesmente não iam com a minha cara".

Enquanto isso, prefere ficar nas ruas: "Sonho que um dia terei minha casa. Mas, o momento, só Deus sabe".