Enquanto eu virava a peça de um lado para o outro na tábua, a minha mente remexia uma recordação especial, de quando o meu avô materno via as modas, como se dizia antigamente, sentado numa cadeirinha na calçadaArte: Kiko
Ontem, hoje e amanhã...
Entrando no Parque das Ruínas, os diferentes tempos estavam lá. O futuro pedia passagem através de uma grávida que tirava fotos no cenário histórico segurando a roupinha com o nome do bebê que está por vir. Crianças surgiam daqui e dali estourando estalinhos
O relógio apontava pouco mais de oito horas no sábado retrasado. No terraço de casa, eu passava o ferro numa blusa para usar naquela manhã ensolarada de outono no Rio. Enquanto eu virava a peça de um lado para o outro na tábua, a minha mente remexia uma recordação especial, de quando o meu avô materno via as modas, como se dizia antigamente, sentado numa cadeirinha na calçada. Aquele ritual já era uma diversão para ele. Curioso como hoje a gente imagina que precisa sair de casa para se distrair de fato. Assim, cheia de bagagem na memória, rumei de Caxias para Santa Teresa.
O destino era o Parque das Ruínas, que abrigava o ‘Festival Futurama — Coleção de Futuros’, reunindo 45 artistas visuais. Antes mesmo de chegar, achei curiosa a realização de um evento sobre o que está por vir em um lugar que consideramos destruído pelo tempo. Afinal, aquelas ruínas já foram um casarão e também um ponto de encontro do modernismo na década de 1920. Foram renovadas, mas mantendo sua estrutura. Acredito que o segredo da vida seja esse: revigorar sem perder a essência.
Ao chegar lá, antes mesmo de entrar nas ruínas, me deparei com a obra do artista Ernesto Neto. Em um gramado, as sílabas da palavra futuro eram distribuídas pelos lados de dois dados e, assim, promoviam o exercício de encaixar na mente algo bem imprevisível: o amanhã. Entrando no Parque das Ruínas, os diferentes tempos estavam lá. O futuro pedia passagem através de uma grávida que tirava fotos no cenário histórico segurando a roupinha com o nome do bebê que está por vir. Crianças surgiam daqui e dali estourando estalinhos. Um menininho se concentrava para tirar fotos dos pais numa das escadas. Mais velhos e mais novos transitavam em harmonia.
Em outra parte, obras do artista Santo tomavam conta de uma parede. Logo vi uma pilastra onde se lia “Catálogos de obras”, que imaginei ter sido escrito com uma espécie de giz. Bem pertinho, via-se um QRCode, aquele quadradinho tecnológico para onde apontamos a tela do celular abrindo links na Internet. Os tempos definitivamente se entrelaçam e é tarefa ilusória tentar abrir mão de algum deles. O futuro, aliás, também era literalmente exibido em bandeiras em uma das barracas da feirinha ali montada. Logo peguei o celular para fazer um clique e um artista brincou: “Para tirar foto custa 50 reais”. Respondi imediatamente, de forma descontraída: “Cada uma custa 50?” Depois, ele saiu de trás da barraquinha e se dirigiu a mim: “Eu estava brincando, tá?” Eu sabia desde o início. Guardei aquela cena e fiquei pensando que talvez a gente precise andar desse jeito, com o espírito mais desarmado, e disponível a conversas. Isso ajuda a fazer elos. No presente mesmo.
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