Foi o que aconteceu dentro de uma cabine em que olhei para o teto, me vi refletida nele e estiquei a mão para mim mesma, na tentativa simbólica de me alcançarArte: Kiko
O mergulho continua...
Surgia, então, o respiro necessário na superfície para lembrar que fazemos parte de um coletivo e que há muita gente compartilhando desse enorme mergulho que é a vida. Essa ideia, aliás, permeava toda a exposição, já que também era possível interagir com o reflexo de outras pessoas
Não é de hoje que os reflexos me intrigam. Há alguns anos, aliás, eu olhava repetidamente para a minha imagem física no espelho. Buscava defeitos e, como quem procura acha, eu sempre encontrava imperfeições de acordo com a minha visão. Da mesma forma, de tanto colocar luz sobre isso, eu permitia que muitas outras pessoas me achassem inadequada. Foram necessários alguns anos buscando o espelho que realmente importa, o do reflexo interior, para que hoje consiga escrever o primeiro parágrafo desta crônica, por exemplo.
Voltei a pensar nisso depois de ter me visto inúmeras vezes na exposição 'Mar de Espelhos', no AquaRio, na Zona Portuária da capital. A mostra é o que o próprio nome já diz: um mergulho, no caso, em nós mesmos. Desde a primeira sala, já comecei a perder a noção de espaço diante de tantos espelhos, multiplicados por vários lados, simulando um ambiente de geleira. Logo no início, percebi por que havia setas no chão sinalizando a indicação do caminho a seguir naqueles ambientes. Na vida real, também é assim: há o risco de nos perdermos no próprio ego e precisarmos recuperar a direção.
Depois desse impacto inicial, a exposição me levou para uma verdadeira clareira na cidade. Nesse ambiente, havia um janelão de onde se via a Zona Portuária do Rio. Fiquei ali por alguns minutos reparando nas barraquinhas de festa junina sendo montadas lá fora. Surgia, então, o respiro necessário na superfície para lembrar que fazemos parte de um coletivo e que há muita gente compartilhando desse enorme mergulho que é a vida. Essa ideia, aliás, permeava toda a exposição, já que também era possível interagir com o reflexo de outras pessoas.
A mostra seguiu instigando os meus pensamentos a todo instante. Logo depois, foi a vez de me ver através de diferentes lentes, que distorciam a minha imagem. Fiquei mais esguia em uma delas e mais larga em outra. E essa experiência me fez lembrar da época em que eu lançava diferentes olhares sobre mim mesma. Em algum momento, também me deixei moldar pelo que os outros achavam de mim. E fica realmente difícil aceitar a si mesmo tentando agradar a visões tão plurais.
Felizmente, um espelho em formato de coração veio logo depois dessa interação. Para reforçar que, com a maturidade, a gente aprende que aceitar o verdadeiro reflexo é um ótimo caminho a se seguir. Foi o que aconteceu dentro de uma cabine em que olhei para o teto, me vi refletida nele e estiquei a mão para mim mesma, na tentativa simbólica de me alcançar. É belo quando decidimos dar as mãos a quem somos e aceitamos a nossa própria essência.
No entanto, não é nada fácil. E os avisos constantes na exposição eram uma simbologia de tudo isso. Ao sair de uma outra cabine repleta de espelhos, reparei em uma mãozinha desenhada em um deles e percebi que ela era o sinal para o visitante não se perder em tantos reflexos e saber que ali ficava a porta de saída. Afinal, há mais gente lá fora.
Pelo mesmo motivo, havia algumas etiquetas onde se lia "não ultrapasse o vidro". Em algumas vezes, aliás, fiquei confusa entre o que era espelho e o que era apenas vidro. Sim, a vida também nos deixa em dúvida em alguns momentos. Que a gente consiga seguir desvendando os sinais, nem sempre tão claros, e prosseguir pelo percurso. Afinal, um outro aviso no chão dizia: "Seu mergulho continua por aqui".
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.