Na foto, o manto tupinambá raríssimo exposto no Museu Nacional da DinamarcaReprodução/Museu Nacional

Rio - Um raríssimo manto tupinambá, que estava exposto no Museu Nacional da Dinamarca, será doado para o Museu Nacional (UFRJ), no Rio de Janeiro. A peça estava em Copenhague desde pelo menos 1699, vindo do gabinete real de artes e curiosidades. O manto de plumas feito de penas vermelhas de íbis é um dos exemplares mais bem preservados que permanecem até hoje. Existem apenas 11 desse tipo no mundo, todos em museus europeus. A doação configura um momento histórico, sendo a primeira peça de imensurável valor simbólico e artístico, um ícone da história do Brasil e de sua antropologia, que regressa ao país.
Os Tupinambá foram um dos primeiros povos indígenas que os europeus encontraram ao desembarcar na costa do Brasil. As populosas aldeias se estendiam por uma larga faixa do litoral Atlântico. Apesar de terem enfrentado guerras de extermínio, sofrido com a tomada de seus territórios, a escravização, e a imposição da língua e da religião dos portugueses, os Tupinambás resistem e mantêm fortes até os dias atuais a sua identidade e suas tradições.
A doação, feita a pedido das lideranças Tupinambá e do Museu Nacional/UFRJ, se tornou realidade devido ao apoio do embaixador do Brasil na Dinamarca, Dr. Rodrigo de Azeredo Santos, que encontrou em contato o Dr. Rane Willerslev, Diretor do Museu Nacional da Dinamarca.
Em 2021, o Museu Nacional recebeu a primeira grande doação de coleção de artefatos indígenas guardados num museu europeu. No caso, a coleção tinha 196 peças formada entre as décadas 1950 e 1970 pelo missionário católico Anton Lukesch com artefatos de povos do Brasil Central e doada pelo Universal Museum Joanneum, da cidade de Graz, na Áustria. 
As relações entre o Museu Nacional e os Tupinambás do sul da Bahia não são recentes, mas procedem de duas décadas. Foram iniciadas em 2006 com a exposição Os Primeiros Brasileiros, organizada em 2006 pelo antropólogo João Pacheco de Oliveira, professor titular e curador das coleções etnológicas do Museu. O cacique Babau participou da conferência indígena realizada na abertura do evento. Ao ver ali as fotos do manto, ele prometeu que a exposição teria um artefato semelhante feito e ofertado pelos Tupinambás. A sua irmã Glicéria teceu um manto, oferecido no ano seguinte ao curador, passando desde então a integrar o acervo da exposição. 
Em 2018, Glicéria esteve em Paris e pôde ver diretamente o exemplar existente no Museu do Quai Branly. Em visitas posteriores, pôde conhecer os mantos e as coleções Tupinambás localizadas em outros grandes museus europeus (Amsterdam, Bruxelas e Basel). Em 2021 participou da realização de um vídeo documentário sobre a arte plumária dos Tupinambás atuais numa parceria entre o Museu Nacional/UFRJ e o Museu Etnológico de Berlim. Em 2022 esteve no Museu Nacional da Dinamarca entrando em contato com os cinco mantos ali guardados. 
Ao receber a carta do Dr. Rane Willerslev, diretor do Museu Nacional da Dinamarca, o cacique Babau assim se manifestou: “Para nós, o retorno do Manto Tupinambá é o retorno de um ancestral. É também o retorno da esperança que nunca morre: uma resposta concreta para aqueles que acreditam na força de seu povo e seguem firme lutando. Aqui em nosso território, apesar de séculos de domínio dos colonizadores, nós mantivemos nossa cultura, nossos segredos, nossa religião. Nós continuamos a criar outros mantos. Mas agora temos o retorno ao Brasil de nossa maior relíquia! A ave símbolo desse manto, o guará, que faz tempo não existe mais em nossa região, nasce e cresce cor de cinza. Ao se alimentar de caranguejos é que as suas penas se tornam vermelhas. É um sinal de transformação que ocorre em tudo, do ser humano e da sua cultura. [...] O Manto está de volta!", comemorou o cacique.