Ong Rio de Paz fez homenagem na praia de Copacabana ao pedreiro Amarildo desaparecido a dez anos na Rocinha. Nesta Quinta-Feira (13).Pedro Ivo/Agência O Dia

Rio - A ONG Rio de Paz realiza, nesta quinta-feira (13), um ato na Praia de Copacabana, na Zona Sul, em memória do desaparecimento do ajudante pedreiro Amarildo Dias de Souza, que completa 10 anos nesta sexta-feira (14). Durante esse mesmo período, seis dos 12 policiais militares condenados pela morte da vítima voltaram a atuar na corporação.

Amarildo sumiu após ser levado por policiais militares da porta de sua casa até a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, onde morava, para prestar esclarecimentos, em julho de 2013. A Justiça concluiu que ele foi torturado pelos agentes com choques elétricos, afogamento e sufocado com sacos plásticos até a morte. O corpo não foi encontrado até hoje.

Na praia, o movimento colocou na areia 10 manequins — um para cada ano do sumiço — e voluntários debaixo de um tecido transparente simbolizando Amarildo e milhares de outros desaparecidos do Rio. Os filhos do ajudante de pedreiro também participaram do ato e colocaram uma máscara com o rosto do pai em homenagem.
O filho de Amarildo, Anderson Dias, 31 anos, que esteve presente no ato, contou ao DIA, como se sentiu durante todos esses anos. "A gente se sente desde o primeiro momento arrasado, porque até hoje não tivemos o direito de fazer um enterro digno. O estado até hoje não falou pra gente aonde está o corpo do meu pai, não sabemos de nada e estamos nesse sofrimento diário a cada ano que passa e a cada dia 14 que se completa", lamentou

Em relação ao movimento, Anderson explica que é uma forma de chamar a atenção do estado. "Nós não vamos nos calar enquanto o estado não dizer pra gente o que aconteceu de fato com os restos mortais do meu pai, pra ele pelo menos ter um enterro digno. Podem passar 10, 20 , 30 anos, enquanto o estado não pagar pelo erro que eles cometeram, não vamos nos calar, porque nem pra minha mãe eles deram nada", finalizou.

Outra filha do ajudante de pedreiro, de apenas 16 anos, também esteve no movimento. M. D. contou que tem poucas lembranças do pai mas que ainda sente saudades. "Isso causou muita tristeza na família, eu não lembro muito do meu pai, porque quando ele morreu eu tinha apenas 6 anos. A última lembrança que eu tenho foi quando nós dois estávamos indo para a praia, quando ele me levou pra pescar e dali em diante eu nunca mais vi meu pai. Fico muito triste por não ter tido a oportunidade de estar com ele", lamentou.
Nenhum familiar do pedreiro foi indenizado, apesar de decisão favorável do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no ano passado. Somente em agosto de 2018, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) julgou o caso, fixando as indenizações em R$ 500 mil para a viúva e para cada um dos seis filhos de Amarildo, além de R$ 100 mil para a irmã. O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça que em agosto do ano passado manteve a decisão do Rio de Janeiro. Apesar disso, segundo o advogado João Tancredo, representante da família de Amarildo, provavelmente a mulher, irmã e filhos não receberão a indenização antes de 2026.

Segundo a ONG, o estado registra, por ano, 5 mil desaparecidos, sendo 10% assassinados em que os corpos jamais são encontrados. Ainda nesta quinta (13) às 20h, será o lançamento do documentário 'Cadê Você?', que relata o drama vivido pela família do ajudante de pedreiro e de outros desaparecidos. O longa será lançado às 20h no Estação NET, em Botafogo, na Zona Sul do Rio.

PMs condenados

Entre os policiais condenados está o comandante da UPP na época, o major Edson Raimundo dos Santos, que teve a maior pena entre os acusados: 13 anos e sete meses de prisão. Hoje, o major cumpre a pena em regime de liberdade condicional, benefício que adquiriu em 2019, e está lotado na Diretoria Geral de Pessoal (DGP).

Outro acusado, o 2º tenente Luiz Felipe de Medeiros está lotado no Centro de Abastecimento de Insumos de Saúde (CABis). Ele foi subcomandante da UPP Rocinha. Segundo a Justiça, “não só orquestrou todo o crime junto a Edson, como participou pessoalmente da execução”. O PM foi condenado a 10 anos e sete meses de prisão.

Já o soldado Fábio Brasil da Rocha da Graça foi licenciado, ex offício, a bem da disciplina em fevereiro de 2016, sendo reintegrado aos quadros da corporação em outubro de 2021. Segundo a Justiça, ele participou da abordagem e condução de Amarildo à sede da UPP. Enquanto a vítima era torturada, permaneceu junto aos demais policiais de confiança dos superiores na contenção da área. Também contribuiu na ocultação do corpo. Ele também foi condenado há 10 anos e quatro meses de prisão

O 2º sargento Jairo Conceição Ribas - foi excluído, ex-offício, a bem da disciplina, em fevereiro de 2016, mas foi reintegrado à corporação após decisão judicial em 2021. Ele também atuou na captura de Amarildo e na condução dele à sede da UPP. Segundo a Justiça, não atuou diretamente na tortura da vítima, mas garantiu que o crime fosse cometido vigiando o entorno do contêiner. Sua pena foi de 10 anos e quatro meses de prisão.

A cabo Rachel de Souza Peixoto que permanece nos quadros da Policlínica da Polícia Militar. Ela exercia a função de secretária do comandante. Durante o julgamento ficou comprovado que ela vigiou a sede da UPP durante a tortura de Amarildo. A agente foi condenada a nove anos e quatro meses de prisão

A cabo Thais Rodrigues Gusmão também permanece nos quadros da Policlínica da PM. Sob ordem do major Edson, ela desligou as luzes do Parque Ecológico, localizado ao lado da sede da UPP, com o objetivo de diminuir a visibilidade dos arredores do local do crime. A policial foi condenada a nove anos e quatro meses de prisão.