Sandra Bouyer Rodrigues sofreu lesões na orelha, boca, antebraços, coxa e tóraxReprodução

Rio - O juiz Diego Fernandes Silva Santos, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) converteu, em audiência de custódia realizada na tarde desta terça-feira (18), as prisões em flagrante para preventiva de André Luiz do Nascimento Soares e Samara Kiffini do Nascimento Soares, pai e filha suspeitos de agredirem uma médica no Hospital Municipal Francisco da Silva Telles, em Irajá, na Zona Norte do Rio. Eles também vão responder pelo homicídio da idosa Arlene Marques da Silva, de 82 anos, que morreu após ficar sem acompanhamento médico durante as agressões da única plantonista disponível.
Em sua decisão, o magistrado entendeu que ambos influenciaram diretamente na morte da vítima enquanto agrediam a médica, além de causarem danos ao hospital. Tais delitos são extremamente graves, de acordo com o juiz, que decidiu manter pai e filha presos.
"O caso concreto denota fatos delituosos extremamente graves, cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa, qual seja, uma médica de plantão, que prestava atendimento em unidade hospitalar, tendo a seu encargo o cuidado de diversos pacientes, função esta que restou impossibilitada em razão das agressões praticadas pelos custodiados, fato este que contribuiu para a morte de uma paciente que não obteve os cuidados médicos necessários a tempo. A gravidade em concreto das condutas imputadas aos custodiados justifica a necessidade de segregação cautelar, ante o modo de execução, circunstâncias e consequências da conduta delituosa imputada", escreveu.
A doutora Sandra Lúcia Bouyer Rodrigues sofreu cinco lesões em diferentes regiões do corpo devido as agressões sofridas na madrugada de domingo (16). De acordo com a 27ª DP (Vicente de Carvalho), responsável pelas investigações, as lesões da médica foram identificadas no tórax, na coxa esquerda, nos antebraços esquerdo e direito, na boca e na orelha direita.
Em um desabafo sobre o episódio em suas redes sociais, Sandra afirmou que prestava atendimento para mais de 60 pacientes internados, sem o suporte de nenhum segurança e se descreveu como "vítima da precariedade e insegurança".
Na ocasião, segundo testemunhas, André chegou à unidade com um corte no dedo, sem gravidade, acompanhado de Samara. A confusão teria se iniciado após funcionários pedirem que os dois aguardassem porque outros pacientes mais graves estavam sendo atendidos. Insatisfeitos com a demora, pai e filha quebraram vidros de portas e janelas do hospital e o homem agrediu Sandra Lúcia com um soco. A vítima sofreu um corte na parte interna da boca e precisou receber cinco pontos.
Relatos afirmaram ainda que André, que dizia estar armado, e Samara também invadiram a sala vermelha, onde ficam os pacientes com quadros de saúde mais graves. Um deles, com infarto agudo do miocárdio, saiu do local com a coluna de soro para se esconder no banheiro.
Por conta das agressões, a paciente Arlene Marques da Silva, de 82 anos, que estava em estado gravíssimo, ficou sem acompanhamento e acabou morrendo. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a idosa entrou em parada cardiorrespiratória às 4h e a equipe tentou reverter o quadro, mas não teve sucesso.
Para Elaine Marques, de 52 anos, a mãe morreu por conta do susto, já que estava se recuperando. O corpo da idosa foi sepultado na tarde desta segunda-feira (17), no Cemitério de Irajá. A vítima deixa oito filhos, netos e bisnetos. "Minha mãe era muito amada, muito querida e bem tratada demais para morrer dessa forma", lamentou a filha.
Homicídio doloso
Após as agressões neste domingo (16), pai e filha foram levados por policiais do 41º BPM (Irajá) até a 38ª DP (Brás de Pina), onde o caso foi registrado. Na delegacia, André e Samara ameaçaram, de morte, a médica e outros funcionários do hospital.
Posteriormente, o caso foi encaminhado para a 27ª DP (Vicente de Carvalho), que assumiu as investigações. De acordo com o delegado Geovan Omena, os suspeitos foram autuados por homicídio doloso com dolo eventual por não se importarem com a vida dos pacientes ao invadir a sala vermelha da unidade. Eles também vão responder pelo crime de lesão corporal contra a médica e Samara pelo crime de coação no curso do processo após ameaça de morte dentro de delegacia.
"A filha virou para a médica que estava sendo ouvida e falou: 'Olha toma cuidado que isso não vai ficar assim não. Quando eu sair, vou te matar de tanto te agredir'. Nessa hora, ela recebeu voz de prisão também pelo crime de coação no curso do processo porque quando a ameaça é em razão de um inquérito ou procedimento judicial, que já está sendo apurado, o crime é coação no curso do processo, que é a pena bem mais grave", explicou Omena.
Defesa alega inocência
O advogado Cláudio Rodrigues, responsável pela defesa do pai e da filha, alega que os dois não têm culpa da morte da paciente e acusa o hospital de atendimento precário.
"A ré Samara também foi agredida na unidade hospitalar e está cheia de hematomas sobre o corpo. Tudo isso em razão da ausência de atendimento, pois quem conhece o PAM de Irajá sabe que o atendimento é bem precário. Inicialmente, a defesa entende com a máxima vênia que acusar os réus de homicídio de um paciente que já estava internado naquela unidade possivelmente com um quadro clínico ruim, réus esses que também estavam naquela unidade desesperados por um atendimento que não alcança, é forçoso demais!", disse.
Ainda segundo a defesa, a verdade dos fatos deve ser apurada, visto que havia apenas uma médica de plantão na unidade.
"Equivocado querer culpar duas pessoas, um pai e uma filha que estão sofrendo, que também são vítimas do péssimo estado de saúde do estado, é forçoso demais. Querer culpar duas pessoas com a idoneidade comprovado pela ineficiência do estado não me parece justo. Uma ressalva importante é que as testemunhas são pessoas envolvidas. As enfermeiras e a médica. Havendo dúvidas, os réus devem ser soltos e responder em liberdade até ser apurada a verdade real dos fatos", complementou.
O advogado também alega que a investigação foi realizada de forma simplória.
O que diz a SMS

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde explicou que no setor de clínica médica do Hospital Municipal Francisco da Silva Telles, o plantão noturno é composto por dois médicos, mas que um dos profissionais escalados para a madrugada de domingo (16) teve um problema de saúde e não pôde comparecer.
"Todas as unidades da SMS contam com profissionais de vigilância desarmados. Em caso de alguma intercorrência, as autoridades policiais são acionadas", disse.
A direção da unidade informou ainda que repudia agressões a profissionais de saúde. "Cada vez que uma situação como esta ocorre, torna-se mais difícil a contratação de profissionais para a composição dos quadros funcionais", finalizou.