Após a morte do menino, policiais militares amanheceram nas ruas da Cidade de Deus, nesta segunda-feira (7)Reginaldo Pimenta / Agência O Dia

Rio - Os policiais militares envolvidos na ação que resultou na morte de um adolescente, de 13 anos, na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, na noite deste domingo (6), não usavam câmeras em seus uniformes. Em junho, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um recurso do governo e determinou que os equipamentos sejam instalados nas fardas de todos os agentes do estado.
O menino morreu durante ação do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq), que realizava um patrulhamento na comunidade. Segundo a Polícia Militar, uma equipe estava na esquina da Estrada Marechal Miguel Salazar com a Rua Geremias quando dois homens em uma moto atiraram contra os militares. Em meio aos tiros, o jovem, de 13 anos, foi atingido e morreu no local. A área foi isolada para que a Polícia Civil realizasse a perícia. A corporação informou que uma pistola foi apreendida na ação.
Familiares do menino acusam os policiais de terem atirado no adolescente enquanto ele estava caído e ainda vivo. De acordo com o pintor Hamilton Menezes, tio da vítima, a família teve acesso a uma câmera de segurança da região, cujas imagens mostrariam o momento em que um policial do Batalhão de Choque atira contra o jovem.
"Ele estava passeando de moto com um amigo em uma das ruas da Cidade de Deus, onde foram abordados já a tiros. Uma bala pegou na perna do jovem e ele caiu. [Pelas imagens], dá para vê-lo no chão, ainda vivo e o policial vai lá e acaba de executar", relata.
O pintor afirmou que as imagens foram feitas por uma câmera de segurança de um borracheiro que fica próximo ao local. Mas, de acordo com Hamilton, os policiais conseguiram apagar o momento da suposta execução. "Com internet e Bluetooth, eles conseguiram, com o celular, ter acesso e apagar só a parte da execução. Mas a gente têm um minuto antes e um pouquinho depois: dá para ver o PM dando o último tiro para executar", garante.
Além de Hamilton, moradores que estavam no local afirmaram que os militares forjaram a cena da morte do adolescente. "Eles forjaram. Começaram a dar tiro para um mato por nada. Acho que para colocar provas no local do crime", acusou o pintor.
A secretária de Ambienta e Clima, Tainá de Paula, protestou contra a ação policial que vitimou o menino, indagando o fatos dos agentes estarem sem câmeras. "É inadmissível normalizarmos a morte de um adolescente cravejado de balas, a partir de uma desastrosa ação policial. Por que os policiais estavam sem câmeras em suas fardas?", escreveu no Twitter.
A PM confirmou, nesta segunda-feira (7), que as tropas especiais da corporação, como o BPChq e o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), ainda não estão usando os equipamentos de gravação em seus uniformes. Segundo a corporação, o órgão, junto com a Secretaria de Estado de Polícia Civil, está em fase de elaboração de uma resolução conjunta para regulamentar o uso das câmeras corporais para essas forças especiais.
"Cabe informar que o cronograma de implantação foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e será respeitado conforme determinado pela Corte", explicou em nota.
Ainda de acordo com a PM, foi aberto um procedimento interno para apurar as circunstâncias da ação, que matou o adolescente. As armas dos policiais envolvidos na ocorrência já foram apreendidas. O caso é investigado pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), que já realizou uma perícia no local e segue em diligências para esclarecer o caso.
Determinação do STF
O ministro Edson Fachin decidiu, em dezembro do ano passado, que o governo apresentasse um cronograma para a instalação de câmeras nos uniformes e viaturas de batalhões com maiores índices de mortes no Rio. A determinação do magistrado atendeu a um pedido feito pelo partido PSB, por organizações da sociedade civil e de direitos humanos.
A decisão focou na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil, Bope e em alguns batalhões da PM, aqueles que ficam nas áreas mais conflagradas. Em junho deste ano, o Governo do Rio entrou com um recurso sobre a determinação pedindo que essas forças especiais não utilizem câmeras porque a medida poderia pôr em risco os policiais.
“Não seria producente revelar as suas técnicas, as suas táticas e os seus equipamentos para os criminosos. Uma questão de bom senso e uma diretriz de operações especiais”, afirmou o governo na época.
Fachin negou o recurso e manteve a decisão determinando o uso do equipamento de gravação em todos os policiais do estado. O ministro fez apenas uma ressalva quanto aos agentes que estejam desempenhando atividades de inteligência.

"Atividades de inteligência, tais como o reconhecimento avançado e o recrutamento operacional, a infiltração de agentes, a coleta de informações com testemunhas que podem ter a vida ameaçada são exemplos de atuações que podem dispensar o uso das câmeras corporais, seja para proteger o agente do Estado, seja para proteger os moradores das comunidades. Essas atividades, no entanto, não coincidem necessariamente com todas as operações realizadas por batalhões ou unidades especiais ou mesmo por todos os agentes que integram essas unidades. Sempre que houver emprego de força não relacionado às atividades de inteligência devem os agentes do Estado portar as câmeras corporais", explicou Fachin.
Já em julho, o governo publicou, em diário oficial, um decreto que determina o uso de câmeras de monitoramento nos uniformes de equipes das tropas de elite das polícias Civil e Militar. Mesmo com a publicação, nem todos os agentes estão usando o equipamento como aconteceu neste domingo (6), na Cidade de Deus.
Complexo da Penha
O governador Cláudio Castro (PL) afirmou que abriu uma sindicância para apurar outro episódio de ausência de câmeras durante ações policiais no Rio. Na quarta-feira passada (2), agentes do Comando de Operações Especiais (COE), da Polícia Militar, e da Core, da Polícia Civil, realizaram uma operação no Complexo da Penha, Zona Norte da cidade, que resultou na morte de 10 pessoas e deixou outras cinco feridas, incluindo dois PMs.
Segundo Castro, a orientação é que esses policiais usem câmeras durante operações rotineiras.
"A orientação é ter câmeras, sim. Nós já abrimos a sindicância para entender quem estava, quem não estava, porque estava, porque não estava, mas a orientação é ter câmera. O que eu defendo sempre é que operações com inteligência policial não podem ter, mas operações rotineiras tem que ter. Então, nós já estamos cobrando à polícia e já foi aberto uma sindicância para a gente entender quem estava e quem não estava e também entender as imagens de quem estava", disse.