Presidente do TJRJ alegou que a decisão pretende evitar 'grave lesão à ordem e à economia públicas'Cleber Mendes / Arquivo

Rio - O presidente do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) suspendeu a liminar que impedia o Estado de encerrar o contrato de concessão com a SuperVia. A determinação do desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo anula a decisão da 6ª Vara Empresarial de julho deste ano, que proibiu o Governo de tomar medidas que impedissem ou restringissem a operação do transporte pela concessionária responsável pelo serviço. O sistema ferroviário tem 270 km de extensão e atende 12 cidades da Região Metropolitana, transportando cerca de 350 mil passageiros.
A determinação atende a um pedido da Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ) e o desembargador alegou que foi proferida para evitar "grave lesão à ordem e à economia públicas", porque a liminar da juíza Maria Cristina de Brito Lima "na prática, cerceia o exercício dos deveres inerentes do poder concedente". O magistrado também destacou que, em casos de concessão, cabe ao Governo acompanhar a qualidade dos serviços e sua prestação à população. 
"Incumbe ao Estado impor sanções à concessionária, intervir na prestação do serviço e extinguir a concessão nos casos previstos em lei, inclusive decretando a caducidade ou a encampação do serviço público de transporte ferroviário", ressaltou Cardozo, que destacou ainda os impactos causados pelos problemas na operação. "Vale dizer serem frequentes as notícias sobre defeitos e paralisação nos serviços da concessionária requerida, afetando o cotidiano de mais de 150 mil usuários diariamente", completou. 
Procurada, a SuperVia informou que vai adotar as medidas legais cabíveis para recorrer da decisão que suspendeu a liminar proferida pelo Juízo da Recuperação Judicial. A concessionária havia procurado a Justiça após a declaração do secretário de Estado de Transportes, Washington Reis, que afirmou que buscaria novos parceiros para assumir a gestão da malha ferroviária de forma rápida. Na ocasião, ele também afirmou que a empresa não comprovou os investimentos feitos durante o contrato de concessão.
À época, a Gumi Brasil, responsável pela SuperVia, apontou a declaração do secretário como "ameaças públicas sobre o fim precoce da concessão" e disse que configuravam "atentado ao ambiente de segurança jurídica, fundamental para atrair investimentos". O grupo afirmou ainda que entregou todos os documentos comprovando os investimentos de R$ 1,2 bilhão e que garantiram a prorrogação da concessão até 2048, em 2018 e reenviados em 2021.
Em abril deste ano, a empresa anunciou que desistiu da operação do sistema, mas o atual contrato só termina em outubro. A Gummi informou que está em negociação com outros grupos para buscar um novo controlador acionário para a SuperVia, o que está garantido na concessão. A concessionária controla a operação da malha ferroviária desde novembro de 1998, mas a Mitsui, principal acionista da Gummi, está à frente desde 2019. 
Para o advogado Sérgio Camargo, a decisão do desembargador foi acertada, já que o Estado tem melhores ferramentas para compreender a demanda e o interesse dos usuários e, com a liminar, o poder público ficava limitando no exercício de sua gestão. O especialista em Direito Público explica que, apesar de ter repassado a concessão do serviço para uma empresa privada, o Governo permanece sendo o titular do sistema.
"A liminar impedia o Estado de alterar o modus operandi da execução concedida à empresa privada. De forma geral, a fiscalização ficava muito limitada e imagina isso na prática. O Judiciário tem o dever de ser técnico e, dentro dessa técnica, você tem uma decisão, num primeiro momento, que fala para não interferir, impedir ou paralisar a execução. A juíza está tendo por primazia o interesse da coletividade, olha o caos que se cria no município do Rio de Janeiro e outros que estão interligados pela SuperVia, se permite que o Estado paralise a atividade ali. Mas, de certa forma, esvaziou o poder concedente, que não vai mais fazer ações que interfiram na execução ou paralisar a gestão daquela concessionária. Então, o desembargador, num segundo momento, volta a plena atividade de gestor do poder concedente". 
Entretanto, o advogado aponta que o impasse travado não colabora para a melhorias. "A concessionária não deve vir a público dizer que vai interromper o serviço que lhe foi concedido até outubro e o poder público não pode dizer que vai retomar sem uma justificativa. Existe na lei de licitações e contratos administrativos, uma previsão da chamada recisão administrativa, que o poder público volta para si imediatamente, inclusive com recurso alocado pela pessoa privada, à gestão do serviço, por conta de justificativa que motive essa retomada, para que não haja falha no interesse da continuidade do serviço ao cidadão". 
O diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, afirma que a suspensão pode não representar melhorias significativas no serviço de trens, por conta da dificuldade em mudar o modelo do sistema e o Governo do Estado não ter, segundo ele, capacidade técnico-operacional para realizar uma intervenção. O especialista diz ainda que a falta de investimento para garantir a segurança operacional e pública é um dos principais fatores que impedem a oferta de um serviço de qualidade, regular e de custo acessível para os passageiros.
"É muito difícil uma ação do Governo para a operação do sistema, requer pessoal treinado e especializado para operar não só os trens, mas o Centro de Controle, a sinalização, energia, telecomunicações. Isso não é simples e o Governo não vai poder usar o pessoal da SuperVia, então, é uma novela difícil, porque a gente não pode imaginar o que pode acontecer nos próximos capítulos. A preocupação sempre tem que ser o usuário, que de qualquer forma, vai ser sempre prejudicado com esse impasse entre a SuperVia e o Governo", explicou Quintella, que ainda ressaltou a dificuldade da Supervia em cobrir os próprios custos.
"A SuperVia vem perdendo receitas muito grandes, porque hoje está transportando muito pouco e não investiu o que precisava. A tarifa que é cobrada do usuário não cobre os custos da SuperVia. Quando transportava 700 mil passageiros por dia, ainda equilibrava, hoje com 300 mil, realmente não acontece. Então, para o Governo entrar com subsídio, vai quebrar o contrato de concessão e isso pode dar algum problema jurídico. É uma situação muito complexa e o pior é que sempre quem vai sofrer é o passageiro". 
Já o engenheiro e coordenador do Fórum de Mobilidade Urbana do Rio e adjunto da Comissão de Mobilidade Urbana do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio (CREA-RJ), Licio M. Rogério, acredita que, se poder público passar a intervir, os passageiros podem começar a ver mudanças. "(Essa decisão) vai chamar todo mundo para conversar de novo para resolver o problema, porque o usuário não pode ficar prejudicado. A SuperVia alega que tem problemas e os argumentos dela são válidos, mas não está havendo conversa. Tem que botar todo mundo em volta de uma mesa, botar os engenheiros e administradores para resolver o assunto". 
Também membro dos Conselhos Estadual de Transportes e Logística e Municipal de Transportes, além de presidente da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio (FAM-Rio), Licio entende que o sistema atual não funciona e, para que ele possa melhorar, é necessária a contratação de empresas para operar as diferentes funções do serviço, como o transporte e manutenção, enquanto o Governo do Estado fica responsável pela gestão. 
"O sistema precisa ser fatiado e contratar uma firma, que pode ser até a SuperVia, para operar os trens, outra fazer manutenção, outra para a sinalização, e o Estado precisa fazer a parte dele, que é gerir. O sistema atual não funciona, nós temos uma discussão no Fórum de Mobilidade falando sobre a necessidade da gestão passar para o Estado. Essa briga é um excelente momento para transformar esse limão em uma limonada. A proposta do Fórum é que o Estado assuma a gestão e passe a determinar a frequência da operação e contrate empresas para operar os trens, independente da quantidade de passageiros, com a bilhetagem por conta do Estado, visando, futuramente, uma tarifa mensal equivalente a 6% do salário mínimo", completou.