Aguaci da Conceição, mãe do ano, e Wilma dos Santos, avó do samba, ambas da Associação das Velhas Guardas das Escolas de SambaBruno Kaiuca / Agência O Dia

Rio – É início de tarde de uma quarta-feira e a sede da Associação das Velhas Guardas das Escolas de Samba, em Piedade, na Zona Norte, está movimentada e colorida por pessoas vestidas de amarelo e preto - as cores da associação - faixas, brilhos e camisas que incorporam referências à organização que completa 40 anos neste mês, reunindo, representando, zelando e defendendo os veteranos do samba nestas quatro décadas de existência.
Os encontros são regados a sorrisos, abraços, samba, cerveja e amizade. "É uma grande família. Eu amo isso aqui. Vim fazer parte quando fiquei viúva e meu irmão me puxou para o grupo. É muito prazeroso, as pessoas são muito unidas. Estamos juntos em todas as festividades. Não há desavenças entre a gente por causa de escolas de samba", diz Leslier Albano, de 63 anos, tesoureira e irmã do presidente Álvaro Albano. As festas acontecem aos sábados, na sede e, aos domingos, nos Encontros de Bandeiras, cada semana em uma quadra de agremiação diferente, reunindo diversas escolas de samba e demostrando que o samba não tem fronteiras.
São momentos de descontração, alegria e reconhecimento para as Velhas Guardas, peças de resistência do carnaval carioca. Elas são recebidas com samba-enredo, e cada uma adentra a quadra conduzindo, da entrada aos anfitriões, o seu respectivo pavilhão – nome pomposo para bandeira, maior símbolo da escola, onde estão embutidos os costumes a história e a força da comunidade, identificando e anunciando qual a agremiação é apresentada.
'Família unida'
Este efervescente convívio social é o que os associados mais prezam. Neila de Sousa Barros, 75, por exemplo, se integrou a uma Velha Guarda só para poder se afiliar à associação: "Eu era das baianas da tradição (uma das alas mais tradicionais dos desfiles de Carnaval), então não podia fazer parte da associação, fiquei uma época só admirando. Não aguentei e fui pra Velha Guarda da Caprichosos de Pilares. Estou há 20 anos lá, como Velha Guarda. E a cada dia eu gosto mais da associação, hoje eu até tenho um cargo aqui! O meu falecido companheiro foi presidente, o Geraldo Pascoal. Eu sou muito feliz, porque aqui é uma casa. É a nossa casa. É um prazer enorme ficar aqui, chegar ao sábado com as amigas, conversar, jogar papo fora. Tudo que a gente quer quando está em casa durante a semana. Aos sábados, a gente vem para cá, para o nosso pagode", afirma.
"Nós somos uma família unida. Nós somos irmãs umas das outras. Nós estamos aqui por uma coisa que nos une, que é a Associação das Velhas Guardas. Aqui é muito legal mesmo", completa. O mesmo sentimento é compartilhado pela aposentada Maria da Penha Bastos, de 72.
"A associação é muito importante na minha vida! A gente vai envelhecendo e ficando só. Depois que eu fiquei viúva, é o que preenche. Nós temos festas todo domingo, que nos animam muito e fazem não nos sentirmos só. São as mesmas pessoas sempre, não tem perigo, não tem risco de assalto, não tem briga. São sempre as mesmas pessoas e sempre é um prazer encontrar com elas nas festas da velha guarda. É muito bom", disse a secretária da associação, empolgada.
Jorge Ferreira, vice-presidente social da associação, concorda. "É uma família. É muito bom ter esse contato dos componentes, o carinho deles. As festas das velhas guardas, aos domingos, são uma coisa. São quatro, cinco minutos importantíssimos nas nossas vidas. Que emoção que eles te fazem! A alegria que eles têm, a emoção! Porque Velha Guarda não tem distinção de grupo especial e de grupo de acesso. É Velha Guarda. O cara que aplaude a Chatuba de Mesquita aplaude a Viradouro. A Viradouro abraça a Independente de Olaria. Eu tenho uma família quando estamos unidos", afirma o componente da Mocidade Independente de Padre Miguel, de 62 anos.
"Todo mundo aqui tem carinho um pelo outro. Eles se preocupam comigo e eu me preocupo com ele. Isso me emociona muito. Se tem um doente, eu vou visitar. Se ele está no hospital, eu vou no hospital. Se tem morte, eu acompanho todo o processo de enterro. Eu falo sobre aquela pessoa está partindo, porque ela e o que ela representava no samba. Faço a honra. Essa é minha função", emenda, com lágrimas nos olhos.
O vice-presidente social é quem também determina o calendário anual de festas. Todo ano há a tradicional festa de aniversário da associação e as festas referentes às datas da fundação das velhas guardas.
Os cargos são concedidos pelo presidente, eleito internamente por voto e cujo mandato é de quatro anos.
Atualmente, é o portelense Álvaro Albano de Souza, que está no segundo período de liderança. Álvaro usa argumentos fortes para falar sobre a importância dos veteranos na valorização da história do samba, um dos maiores bens culturais do país.
"Como presidente da associação, eu represento as velhas guardas do Rio de Janeiro. Todas, sem exceção. Eu cuido e zelo por todas as velhas guardas e pelos nossos patrimônios. Eu trabalho para que nós tenhamos respeito dentro do mundo do samba. Eu estou sentindo agora que eles estão afastando as Velhas Guardas. Muitos presidentes (de escolas de samba) até esquecem que amanhã ele vai ser velha guarda. Muitos querem, mas poucos podem. Se você é Velha Guarda, você está no ápice. Então a velha guarda tem que manter o respeito, tem que ter dignidade e manter a moral", afirma.
Segundo Álvaro, o comportamento do componente da velha guarda é observado de perto, então ele tem que ter cuidado para "não pisar na bola": "A ala da Velha Guarda tem que estar atenta a tudo e a todos para não vacilar. É por isso que eu represento todos eles. Quando a gente vê um desvio de conduta, discretamente avisa que o comportamento não está de acordo com o meio do samba, a qual pertencemos e honramos muito. As velhas guardas têm uma cartilha que precisa seguir, com os nossos procedimentos, como devemos nos comportar por ser velha guarda. Ninguém entra assim do nada, cai de paraquedas. Não pode ser qualquer um, tem que ter um currículo e tem que ser extremamente apaixonado".
'Cidadã Samba'
Wilma Ricardo, 73, pode afirmar que paixão pelo samba não é o que falta à ex-costureira. Na adolescência, ela pulava o muro de casa para ir para as rodas de samba, e apanhava do pai quando voltava para casa. Hoje, tem o título de "Cidadã Samba" da Associação, o qual ostenta com muito orgulho: "Eu fugia de casa para poder ir para o samba, ele me batia na volta, mas mesmo assim não teve jeito, eu sempre escapulia quando dava. Hoje, eu me sinto realizada de estar aqui fazendo o que eu gosto. Amo samba! Comecei em bloco, ia para gafieiras, chegava em casa apanhava de montão, mas eu ia mesmo assim", conta, às gargalhadas.
"Às vezes, quando o bloco tocava perto da minha casa e eu não podia ir, eu ficava sambando no meu quintal, que era perto, mas sambava chorando. Quando dava a oportunidade, eu fugia e ia. Eu realmente estou me sentindo muito honrada em ser a cidadã do samba e estou fazendo de tudo para não desagradar a posição que eles me deram", diz Wilma.
Marcelo Pacífico, radialista e locutor oficial da associação, lembra que um dos papeis da organização é justamente preservar os grandes nomes do samba: "A associação é muito importante para manter a arte e a cultura do nosso carnaval. É a voz em defesa dos grandes baluartes (aqueles que tiveram atuação importante em uma escola) do samba. A função cultural é a orientação das Velhas Guardas, a representação delas. É muito importante falarmos e mantermos viva a memória de baluartes como Iba Nunes, compositor e fundador da Unidos do Cabuçu, que também é fundador da Associação", afirma.
Álvaro credita a idade avançada de muitos dos componentes da Velha Guarda à perda de prestígio nos desfiles. Por conta da idade, da dificuldade de locomoção e do grande tempo de espera na concentração, muitas vezes é um sacrifício para a ala estar presente. E nem sempre é valorizada. Em 2005, a Velha Guarda da Portela, por exemplo, chegou a ser impedida de entrar na Marquês de Sapucaí porque o tempo de desfile havia estourado.
"Um dos problemas enfrentados foi a questão de idade. Antigamente, para entrar na velha guarda, tinha que ter 60 anos de idade e geralmente 40 de escola. Hoje em dia, nós temos tempo de desfile. Então, é difícil para a velha guarda cumprir o tempo determinado para ele. E a ala não vai jamais prejudicar a apresentação. Por isso que nós sugerimos reduzir para 50 anos a idade necessária para ingressar na ala de velha guarda. Tem escola até que passou para 45, mas aí está muito novo", opina.
A associação foi fundada em 1983 por José Dib, então componente da Velha Guarda da Acadêmicos do Salgueiro. Foi ele quem teve a iniciativa, e com a participação de mais nove nomes consagrados do samba, como Iba Nunes, compositor e um dos fundadores da Unidos do Cabuçu, Armando Santos, da Portela, Ed Miranda Rosa, da Mangueira, e Sergio Continentino, mais conhecido como "Sebinho da Beija Flor", vice-presidente da Velha Guarda da escola.
Em 1995, houve um seminário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) com a participação de carnavalescos, autoridades do samba e a Velha Guarda. À época, uma conquista importante para a associação aconteceu: a extinção do uso de fantasias pela ala: "Mas já acabaram com esse acordo. Os presidentes das escolas de samba, se pudessem, não teriam Velha Guarda. Muitos deles começaram a vestir a ala. Essa foi uma conquista que perdemos", afirma Iba. E Sebinho emenda: "A gente é velho para caramba para ficar usando cetim".